O
arauto ainda respirava. Havia alguns cortes em seu lado esquerdo, um
deles bastante profundo, e hematomas no rosto e pescoço. A
haste escura de um virote partido estava cravada logo abaixo da
omoplata direita. Era um milagre que ele estivesse vivo. Os
ferimentos indicavam que havia escapado de um combate atroz.
Deram
água ao jovem, embora Balgata olhasse desconfiado. Todos os
feridos pelos inimigos já estavam mortos... duas vezes. Talvez
fosse melhor acabar logo com seu sofrimento. O rapaz pareceu
adivinhar as desconfianças de seus companheiros.
– Foram
bandidos, senhor – disse ele, olhando para Seridath. – Eles
tomaram Arnoll.
O
jovem tinha mais respeito por Seridath, e Balgata tentava dissimular
sua irritação diante desse fato. Havia coisas mais
urgentes, como a informação que o rapazinho acabava de
fornecer.
– Quer
dizer, então, que Arnoll foi tomada!? – grunhiu o capitão,
furioso.
– Exatamente,
senhor – respondeu Lucan.
– Diga,
rapaz, como conseguiu sobreviver? – perguntou Balgata,
propositalmente mantendo um tom de desconfiança em voz.
Lucan
suspirou, deixando escapar um gemido e um sorriso resignado de alguém
que não entende a hostilidade de seus próprios aliados.
Balgata cedeu e ordenou que tivessem uma pausa até que Lucan
recebesse os primeiros socorros. Também convocou dois
ajudantes para carregar o arauto até uma das carroças
onde ele poderia ser tratado devidamente por duas senhoras de Keraz.
Os últimos feridos pelos zumbis haviam morrido na noite
anterior. As duas senhoras, que arriscaram suas vidas oferecendo-se
para cuidar dos feridos, ficaram animadas ao verem um paciente que
não definharia diante de seus olhos, se fosse tratado
devidamente. Não havia clérigos ou cirurgiões
entre eles, mas as duas senhoras eram capazes de fazer uma sutura no
corte profundo tratar adequadamente as outras feridas. Balgata pediu
para ser chamado logo que os cuidados com Lucan fossem concluídos.
O capitão também distribuiu ordens para manter seguro o
acampamento.
Após
cerca de uma hora e meia, um dos camponeses aproximou-se do capitão,
comunicando que Lucan já não corria risco. Balgata
aproximou-se dele, apreensivo.
– E
então? –
perguntou. – Ainda está inteiro
ou as velhas arrancaram algum pedaço do seu fígado?
– Estou
bem, capitão – respondeu Lucan. – Obrigado por perguntar.
– Mas
você nos disse que Arnoll foi tomada – inquiriu Balgata, já
completamente esquecido da frase que Lucan havia dito. – Dominada
por bandidos.
– Sim.
Homens bem vivos. Os malditos estavam rondando a cidade faz um tempo,
mas agiram quando as pessoas começaram a aparecer, fugindo dos
mortos. O senhor feudal havia decretado alerta e não deixava
ninguém entrar ou sair. Parece que alguém escalou o
muro e abriu o portão após matar os guardas.
– Quer
dizer que eles possuem homens de qualidade –
murmurou Balgata. –
Talvez um assassino rastejante. Mas como
você sabe disso tudo, garoto?
– Eu
topei com um grupo montando guarda nesta noite. –
Lucan deu um sorriso maroto –
Pude ouvir muito do que eles conversavam.
Parece que as coisas deste lado estão piores do que
pensávamos.
– Como
assim, piores?
– Aquele
exército que enfrentamos em Keraz era só uma parte de
uma grande força que está marchando desde o mar, a
nordeste daqui. Isso significa...
– Quiriath-Mon!
–
murmurou Balgata, rangendo os dentes.
– Isso
mesmo, capitão. Essa força gigantesca engoliu os
vilarejos ao redor, mas muitos deles já estavam tomados. Os
camponeses mortos só engrossaram as fileiras dos amaldiçoados.
– Por
Nibala e suas cabeças! – blasfemou Balgata.
Todos
ao redor estremeceram. A madrugada ia pelo meio, e a lua cheia ainda
brilhava forte no céu, concedendo às árvores um
aspecto surreal. Seridath aproximou-se, parecendo interessado no
relato do arauto. Balgata tentou manter o controle.
– E
os nossos homens? – inquiriu o capitão, evitando alimentar o
assunto dos mortos. – Riderth e os outros, que escoltavam os
camponeses?
– Acho
que foram levados para Arnoll. Eu ouvi eles comentando sobre um
grande número de pessoas no calabouço. Falaram de um
bando que era guiado por um sacerdote.
– Culliach...
– comentou o capitão.
– Isso.
Também penso assim. Parece que eles vão querer usar os
homens para lutar se os mortos chegarem até aqui.
– Me
conte como ganhou essas feridas –
perguntou o capitão, embora fosse
impossível dizer se ele ainda desconfiava da habilidade de
sobrevivência do rapaz.
– Eu
os estava espreitando. Ouvi muita coisa mesmo, já que eles não
imaginavam que eu estava por perto. Eram três e dois deles já
estavam meio bêbados. Mas eu não previ que poderia haver
um quarto, que tentou me pegar pelas costas. Nós brigamos,
chamando a atenção dos outros. Lutei com todas as
minhas forças e acho que matei um deles, o que estava mais
bêbado. O bandido que me atacou primeiro era muito bom com sua
adaga e conseguiu fazer em mim este corte aqui. Percebi que iria
morrer. Ele nem estava lutando a sério, mas os outros dois
partiram pra cima com suas espadas. Na confusão, consegui
tomar distância e correr, mas fui na direção
oposta à nossa. Um deles devia ter uma besta, mas só
senti a fisgada do virote quando já estava longe. Tive que
fazer uma volta enorme para retomar o caminho que vocês
tomaram. Perdi as forças quando percebi que estava novamente
na rota e acabei relaxando...
– Acha
que eles seguiram você?
– Não
creio. Na verdade, duvido que acreditem que eu esteja vivo. Se é
que eles achavam que eu não era um zumbi.
– E
você faz idéia de quantos são? – inquiriu
Seridath, evitando o olhar irritado de Balgata.
– Não
tenho certeza, mas acho que ouvi eles falando sobre isso, dizendo que
era difícil manter uma cidadela do tamanho de Arnoll com pouco
mais que sessenta homens.
– Se
tivéssemos mais homens, pelo menos mais vinte, não
hesitaria em atacá-los – suspirou Balgata.
– Creio
que nós temos esses homens, capitão – respondeu
Seridath, fitando Balgata com seu sorriso sombrio. – Talvez até
mais.
Continua...
Mais um para acrescentar rsrs.
ResponderExcluirComo estava meio perdida eu estou lendo dois a cada fim de semana,mas estou adorando ler e curiosa.
Abraço.
Tamires C.
http://de-tudo-e-um-pouco.blogspot.com.br/