segunda-feira, março 31, 2025

Olhando para trás - ou como deixei de ser cristão evangélico


"Ninguém que põe a mão no arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus". Lucas 9:62.


Não é raro as pessoas me perguntarem no que acredito, já que essa é uma prática bem comum em nossa sociedade. A curiosidade delas, no meu caso, costuma vir por conta de testemunharem minha postura ácida em relação à religião, em especial às pessoas e organizações evangélicas, sendo que eu sempre pauto que minhas opiniões provêm de experiência própria. O relato oral é algo poderoso, principalmente se pautado no histórico pessoal. Porém, por vezes sentimos falta do registro escrito, articulado e refletido. Dei-me conta de que, embora meus escritos ficcionais carreguem um pouco desse “desencanto” diante da fé, falta algo mais estruturado e cronológico, algo que possa inclusive ser referência também para mim.

Portanto, decidi produzir este relato pessoal, a partir de memórias antigas, passando por um percurso cronológico até meados dos meus 20 anos, quando me dei conta que não acreditava mais nas igrejas evangélicas. O fim da crença em Deus veio mais tarde, coisa que eu de fato não sei precisar. Acho que foi meio pelo início dos 30, quando escrevi um conto sobre um homem que na infância testemunhara uma visão espiritual terrível, mas da idade adulta descobre que nunca foi alguém capaz de acreditar.

Enfim, melhor tentar começar do início. Acredito que os inícios são sempre muito difíceis, pois eles exigem uma espécie de recorte. Quando de fato algo começa? Afinal, sempre há uma causa mais antiga, profunda, afastada no tempo. Não vou me delongar nisso, porém. 

Minha experiência com a igreja evangélica (são várias, eu sei, mas vou colocar tudo no mesmo balaio), começou cedo. Quando me entendi por gente, lembro de brincar de “passa-anel” e “mês” na frente da Igreja Batista Nova Peniel, no Rio de Janeiro. 

Eu ganhei uma Bíblia muito cedo. Ouvia de minha mãe que ela e meu pai biológico ficaram na dúvida entre “Samuel” e “Israel”, na hora de escolher meu nome. Decidiram então escrever cada um em um pedaço de papel e tirar o escolhido. Felizmente, saiu “Samuel”. Na minha primeira Bíblia, havia uma estrelinha a caneta assinalando o primeiro livro de Samuel. E a história desse juiz e profeta era repetida quase à exaustão para mim. Também havia as noites em que minha mãe voltava do trabalho e nos forçava a repetir salmos bíblicos. Eu pingando de sono tendo que memorizar versículos que sequer compreendia. Isso ficou gravado em minha mente, de forma que, quase quarenta anos depois, sou capaz de recitar os mesmos trechos.

Naquela época, mergulhei na ilusão de ser pastor. Lembro que visitei algumas vezes o gabinete do Pastor Adriano, para perguntá-lo o que eu deveria fazer para seguir essa carreira. Ele, um homem simpático, meio calvo, de óculos, um pouco acima do peso, dava um sorriso bonachão e me dizia para ter paciência.

Avanço um pouco no tempo. Já em Teófilo Otoni (MG), não sei por que cargas d’água, fui me envolver numa discussão religiosa com meu tio que era formado em filosofia. Eu devia ter lá pelos meus oito ou nove anos. Meu tio usou todos os seus argumentos para convencer uma criança da inexistência de Deus. Falou dos homens das cavernas temendo a noite e fazendo orações para o sol nascer e que isso teria sido a origem das divindades, ligadas aos fenômenos naturais. Disso para a transformação da divindade em uma “pessoa” foi um pulo. Claro, um “pulo” de talvez milhares de anos, mas tudo bem. 

Acontece que, ao ser convencido de que Deus havia sido uma criação do medo e do desespero humanos, toda a esperança morreu em mim. Obrigado, tio. Eu caí num choro convulsivo, imerso nesse mesmo desespero que talvez as pessoas da pré-história tiveram quando temiam a noite. Naquela época, minha avó materna, ainda viva, procurou me amparar, conversar comigo, citando versículos bíblicos que “provariam” a existência de Deus, ou ao menos davam lastro à fé que ela tinha.

Outro acontecimento da infância marcou minha vida. Esse era recorrente. Tratava-se da história que minha mãe contava sobre minha conversão. Sim, ela dizia que eu era convertido desde meus cinco anos. Minha mãe tinha a prática de pregar para os filhos ainda bem pequenos, com o objetivo de que eles escolhessem o caminho da fé o mais rápido possível. Conta ela que, certa noite, contou para meu irmão mais velho e para mim sobre a visita que Nicodemos havia feito a Jesus. Nessa visita, Nicodemos ouvia de Jesus que era fundamental “nascer de novo”. Minha mãe estava mais focada no meu irmão, que era um ano e meio mais velho que eu. Segundo ela, eu ainda era muito novo para ter essas compreensões.

Acontece que, quando ela já estava meio desanimada, acreditando que nenhum dos filhos tomaria a iniciativa de se “converter”, de “nascer de novo”, eis que eu me manifesto e digo: “Mamãe, eu quero nascer de novo”. Ela foi ao céu naquele momento. Fez a oração comigo e assim começou minha caminhada como um verdadeiro cristão.

Bem, essa é a história que ela conta, pois eu não tenho a menor lembrança do acontecido. Por isso, quando cheguei à pré-adolescência, comecei a questionar essa narrativa. Não me sentia salvo. Não me sentia uma “nova criatura”. Na época, nós frequentávamos a Primeira Igreja Presbiteriana de Teófilo Otoni. Em vários cultos, eu passei ajoelhado em um dos bancos, fazendo orações desesperadas, seguindo a fórmula da oração que pedia para Jesus entrar no meu coração e perdoar os meus pecados. Ainda assim, nada acontecia dentro de mim. Eu me sentia morto por dentro. 

Nessa época, também ocorreu um incidente que acredito ter reforçado meu desespero. Estava na antiga quinta série (hoje sexto ano) e tínhamos aula de religião. A professora coincidentemente era da mesma igreja que eu frequentava. Certo dia, quando foi explicar sobre a existência da Trindade, o Wagner, um moleque mais velho e muito bagunceiro, começou a fazer vários deboches, brincadeiras e piadas sobre o Espírito Santo. Na hora, não me contive. Caí na risada, como a maioria dos meus colegas.

Eu, porém, conhecida a “Palavra de Deus”. Sabia que Jesus havia dito que o pecado de blasfêmia contra o Espírito Santo era imperdoável. E eu havia achado graça. Sentia-me um cúmplice. Quando caí em mim, fui inundado pela culpa e também pelo terror da possibilidade da condenação eterna. Passei noites e mais noites aos prantos, pedindo perdão, sem contudo me sentir perdoado.

Comecei a pensar que minha chance de redenção seria a confirmação pública da minha “fé”. Coloco em aspas porque talvez eu nunca tivesse de fato acreditado, ou meu eu que cria tenha morrido lá nos meus oito ou nove anos. A Bíblia fala de uma declaração de boca, pública, de que a pessoa acredita. Na Igreja Presbiteriana existe a classe de Catecúmenos, que prepara os interessados para a Profissão de Fé. A partir dessa cerimônia, eu seria recebido no seio da igreja como um de seus membros.

Esses planos foram frustrados quando nos mudamos para Belo Horizonte (MG). Mudamos não só de cidade, mas também de igreja. Passamos a frequentar a Igreja Batista da Esperança, no bairro Lagoa, em BH. Posteriormente, ela se tornou Igreja Batista Nacional da Esperança, com o objetivo de marcar a denominação à qual pertencia. Nessa igreja, eu ingressei no curso de batismo. Já havia sido batizado na Presbiteriana, mas os batistas não validam o batismo de aspersão, que é aquele que a gente recebe uns borrifos de água na cabeça. Batismo de verdade tem que ser por imersão, quando mergulham a gente na água. E ainda tem aquelas denominações que só validam batismos de imersão em água corrente, ou seja, rios. 

Concluí o curso, “passei pelas águas”, cumpri todo o ritual exigido. Por um tempo, senti que estava integrado, que fazia parte da comunidade cristã-evangélica. Nessa época, começaram as visões, mas isso é assunto para outro relato. O fato é que eu fui passando pela adolescência como um “pastorzinho”, um futuro pastor, tanto que dizia a todas as pessoas que faria o Seminário Teológico Evangélico do Brasil (STEB), de orientação Batista. Participava dos ensaios e apresentações do grupo Levitas, saía aos domingos para uma missão infantil onde contava histórias bíblicas para crianças, andava pelos bairros Lagoa, Hawai, Justinópolis, Céu Azul, Lagoinha, Piratininga, distribuindo folhetos com evangelizações. Por vezes, entregar um folheto não era suficiente. Eu tinha que ter certeza de que a pessoa tinha ouvido sobre o amor de Jesus. Então, dizia, ao entregar o papel: “Jesus te ama”. Só que isso também não me parecia o suficiente. Por isso, também importunava a pessoa com uma rápida pregação e um convite para o culto de domingo à noite. Preguei nos cultos de jovens, quartas à noite e também aos sábados. Comparecia às madrugadas de oração, às vigílias, aos intercâmbios com outras igrejas. Subia os “monte” no bairro Palmares, para orar nas madrugadas de sexta para sábado. Importunava quem estava sentado ao meu lado no ônibus com pregações sobre o amor de Jesus.

Não era santo, diga-se de passagem. Tinha os meus tropeços. Creio que todo adolescente religioso tem. A curiosidade sobre o sexo, a vontade de ter namorada, as fantasias. Só que tudo isso me enchia de uma culpa avassaladora. Eu tinha a Bíblia para fomentar minha culpa. E também uma máscara de “santo”. Não ficava com as meninas, sequer deixava que elas percebessem que eu tinha qualquer desejo por elas. Reprimia com muita força qualquer pensamento de atração ou qualquer fantasia. Isso acabava se refletindo nos sonhos, o que me deixava ainda mais culpado. 

Havia vários livros para adolescentes cristãos. Textos que alertavam para os perigos do sexo e de tudo o que havia ligado ao corpo. Pastores citavam trechos bíblicos sobre o pouco ou nenhum proveito para o exercício físico. A dimensão corporal era vista como algo perigoso. Eu li cartas que pastores trocavam com adolescentes e depois publicavam como livros. Nessas cartas, esses pastores apontavam os inúmeros perigos da adolescência.

Passei por esses conflitos e ainda por cima comecei a me incomodar com a forma com que as pessoas na igreja se portavam. Não conseguia entender a realidade de que elas eram apenas humanas, com tantas falhas quanto eu. Porém, o discurso da “nova criatura”, do “novo homem”, fazia com que eu entrasse em parafuso. A pessoa se dizia salva, declarava que havia “nascido de novo”, mas seus mesmos vícios e desvios de caráter estavam lá. Claro que suavizados e disfarçados pela máscara religiosa, mas era possível observar esses comportamentos nitidamente. 

Havia também quem “piorava” depois que passava a ser evangélico. Uma pessoa que acabava por ser influenciada e contaminada pelas intrigas e fofocas. A amargura de quem não podia viver “livremente”, apesar de se declarar realmente “livre”. O embate entre igreja e “mundo”. Sim, no discurso cristão, o mundo é o inimigo. Está lá, na Bíblia, não foi inventado pelos “crentes”.

Por fim, há também o autoritarismo de alguns pastores. A postura de que são donos da razão, alguns chegam a se declarar “ungidos do Senhor”. Diziam que “a rebeldia é pior que o pecado de feitiçaria”. Os recursos que usam para o controle e a manipulação do rebanho são vários. Quero destacar que não estou dizendo que todos os pastores são assim. Há pessoas boas dentre eles, há também as contradições de cada ser humano. Porém, é possível perceber certa maldade, certo vício pelo poder, em alguns pastores evangélicos, assim como em outros líderes religiosos.

Com esses comportamentos, o desencanto foi se instalando em mim. Há também um ponto fundamental ligado à crença: Eu ficava horrorizado com o discurso da condenação ao Inferno. Para mim, era inconcebível um ser todo-poderoso que cria alguém, diz que ama esse alguém, mas depois condena esse mesmo alguém para o sofrimento eterno. Por pior que essa pessoa seja, não consigo acreditar que mereça sofrer eternamente. Existem mães e pais melhores que Deus nesse quesito, pois continuam a amar suas filhas e seus filhos, não importa o que façam. Já o Deus cristão é condicional. “Eu te amo, até mandei meu filho para morrer por você, mas se você não admitir isso e não viver como eu quero, vai sofrer para sempre.” Para mim, isso é doentio. E esse sentimento que tenho já estava se insinuando em meu coração desde minha adolescência.

Não digo que não tive bons momentos “espirituais”. Por exemplo, certa tarde, cheguei em casa com um aperto terrível no peito. Uma angústia sem tamanho. Tinha treze anos. Fui buscar consolo na Bíblia e encontrei a passagem do livro de João em que Jesus promete preparar um lugar na casa de seu pai para seus discípulos. Ele diz para que seus corações não se perturbem. Eu tomei aquelas palavras para mim. Chorei abundantemente. Foi um momento de conexão, confesso. Só que esse momento não apaga uma vida inteira mergulhado em contradições e perversidade.

Finalmente, cheguei à idade adulta. Esse foi o ponto final na minha relação com a igreja evangélica. Conheci muito de perto algumas estruturas, organizações e comportamentos. Vi pessoas queridas serem feridas por atitudes abusivas de pastores e líderes evangélicos. Testemunhei igrejas inteiras assediando jovens moças que não haviam “se guardado” para o casamento.

Lembro-me claramente da última vez que fui a um culto como evangélico. Era um domingo à noite. Eu havia ligado para o pastor, pedindo autorização para não comparecer ao culto. Decidi ser sincero: disse que estava cansado e que havia um livro que eu queria terminar de ler. O pastor reagiu com um nervosismo controlado. Disse que eu não deveria ficar lendo livros ao invés de ir à igreja, que isso iria esfriar a minha fé. Desliguei o telefone resignado e decidido em ir ao culto.

Naquela noite, após o louvor, o pastor foi à frente para fazer o seu sermão. Abriu a Bíblia e leu Atos 2:42. Um versículo sobre perseverar na doutrina dos apóstolos. Após a leitura, voltou-se para o público e começou a falar sobre a importância de não deixar de ir aos cultos. Disse: “Por exemplo, você pode querer deixar de ir ao culto para ler um livro. Se fizer isso, vai esfriar na fé.” Quando ouvi essas palavras, xinguei-o mentalmente. Fiquei tão irritado que naquele momento decidi que nunca mais voltaria àquela igreja.

Passei a dizer que estava procurando outra igreja para frequentar, mas no fundo eu estava cansado disso tudo. Cansado de pessoas dizendo como eu deveria me comportar, como deveria pensar. Estava cansado da hipocrisia, do discurso enviesado, do ódio disfarçado de amor. Os comportamentos de pastores fofoqueiros, manipuladores, que pregavam lindamente mas se comportavam sem ética profissional, líderes de jovens que debochavam dos próprios liderados logo que o culto acabava. Tudo isso envenenou para sempre qualquer visão que eu tinha do cristianismo.

Olhando para trás, penso que talvez eu nunca tenha acreditado. Ou talvez minha fé tenha morrido naquela tarde em Teófilo Otoni, diante de um adulto cruel que talvez acreditasse que estava fazendo um “bem” ao abrir logo cedo os olhos de uma criança. Hoje penso que a fé não é uma escolha, mas um conjunto de fatores. Ser convencido de algo por vezes parece externo. Perceber algo que fica óbvio para nós. Eu não escolhi não crer em Deus. Para mim, pareceu natural.

Aproveito para acrescentar que eu não me considero ateu. Não sou corajoso a esse ponto. Admito a possibilidade da transcendência, do mistério. Afinal, a vida me soa meio absurda e arbitrária. Eu existo porque sim. Isso assusta um pouco. Essa falta de um propósito real na nossa existência. E também nosso fim inevitável.

Por enquanto, busco na escrita e na leitura um certo estofo para me preparar para a vida e para a morte. Sigo como se a literatura fosse minha religião, embora eu não acredite que os livros possam salvar alguém. Ninguém está no mundo para ser salvo. Se estamos no mundo, talvez seja para amar.

Na Bíblia há uma passagem sobre não olhar para trás após escolher o caminho da fé. Em outro trecho, Paulo afirma que “as coisas velhas já passaram” e que “tudo se fez novo”. Esse discurso de negar o passado, apenas olhar para frente me incomoda grandemente. Somos sujeitos históricos. Precisamos aprender sobre o passado. Sei que ele não deve ser determinante, que devemos tomar decisões e nos renovar, que precisamos abrir a mente para novas ideias. Mas apagar tudo o que aconteceu é no mínimo desastroso. “Somos porque lembramos”. Por isso, como a Sankofa, sigo olhando para trás.


sábado, janeiro 25, 2025

Tudo num balaio só

A desonestidade dos "clickbaits" ideológicos e do malabarismo discursivo

Havia acabado de acordar. Por acaso, abri o celular numa conhecida plataforma de streaming de vídeos públicos. Talvez seja a mais difundida e utilizada no Ocidente. Enfim, acabei batendo o olho em uma sugestão de vídeo que prometia abordar as atitudes hipócritas e tóxicas de artistas e celebridades. Bem, até aí, lugar comum. Afinal, todo mundo sabe que vida pública não anda em sintonia com vida pessoal e, por isso, muitas vezes a figura pública pode ter comportamentos até mesmo assustadores. Temos o triste exemplo de um escritor de renome que teve seu lado monstruoso revelado recentemente.

Como não me interesso muito por vidas de celebridades, principalmente cinematográficas, minha atitude inicial seria não clicar no tal vídeo. Acontece que na figura de chamada e divulgação do vídeo, junto à imagem da apresentadora, havia uma colagem de várias celebridades, dentre elas a Fernanda Torres. Acabei fisgado, uma vez que Fernanda está sob os holofotes do mundo e muita gente aqui do Brasil tem declarado sentir um orgulho profundo não apenas pela artista, mas também pela pessoa que ela é. Acabei vencido pela curiosidade.

O que se seguiu, durante a reprodução do vídeo, foi uma apresentadora fazendo autopromoção (até aí, ok, quem na mídia não faz?), propaganda de produtos e discurso ideologicamente enviesado. O perigo e a desonestidade, a meu ver, está aí. A apresentadora, que escolhi não nomear para não contribuir com a tão desejada visibilidade, lista comportamentos problemáticos e tóxicos de alguns artistas que vendem a imagem de pessoas politicamente engajadas, defensoras dos direitos civis e das causas identitárias. No meio disso, ela insere a Fernanda Torres. E qual é o “malfeito” dela? Ser de esquerda. Pura e simplesmente. A bentida apresentadora demoniza uma artista talentosa e consciente por sustentar o discurso de que não deve haver anistia para torturadores.

Nesse momento, fechei o vídeo. Não fui capaz de suportar tal chorume. A apresentadora e dona do canal, que se declara escritora, foi desonesta ao usar a atual visibilidade da Fernanda Torres para ganhar visualizações para o seu canal, enquanto divulga seu pensamento ideológico. Ah, isso não é um problema. Claro que não. Mas aí vai a questão da desonestidade: colocar a imagem da Fernanda Torres junto com outras personalidades que de fato cometeram atos contraditórios ou até mesmo criminosos. 

Sei que a desonestidade e a hipocrisia não tem ideologia. Se a pessoa é progressista ou conservadora não necessariamente vai fazer dela alguém bom ou ruim. Colocar o mesmo rótulo de “hipócrita” e “contraditório” em uma pessoa criminosa e ao mesmo tempo em alguém progressista, isso sim, é uma manobra que considero desonesta. 

Fiquei tentado a comentar no vídeo, mas confesso que temi as reações da “comunidade”. Sabemos como o engajamento no meio digital pode ser violento. Decidi então usar este espaço para um desabafo um pouco desordenado, mesmo que não seja a principal função daqui. 

Enfim, agradeço quem chegou até o final deste texto. E também peço desculpas. Pretendo em breve voltar a publicar aqui minhas resenhas e textos literários. Até mais!

quarta-feira, novembro 27, 2024

Ainda estou aqui - Um brado por justiça



Vinte de janeiro de 1971. Seria um feriado como outro qualquer, não fosse a prisão clandestina, o sequestro e desaparecimento de um homem. E o crime foi perpetrado por agentes do Estado Brasileiro. Rubens Beyrodt Paiva, ex-deputado cassado, engenheiro, foi rendido em sua casa por militares da aeronáutica e conduzido para interrogatório. A família não imaginava que nunca mais o veria.

Esse é o fato sobre o qual gira o livro Ainda estou aqui. Um acontecimento histórico, investigado e documentado. O que mais assusta é que, décadas depois, o caso está longe de ser solucionado. Afinal, ele atesta crimes realizados por agentes do Estado, com a convivência do regime vigente. O que se sabe do caso é que Rubens Paiva morreu em decorrência das torturas sofridas. Seu torturador e assassino, já falecido, foi devidamente identificado. A localização do corpo, porém, ainda é um mistério.

O livro, escrito por Marcelo Rubens Paiva, renomado e premiado escritor, filho de Rubens Beyrodt Paiva, nos guia por memórias pessoais, registros históricos e depoimentos, de forma que o autor busca montar um quebra-cabeças em que há peças faltando, praticamente impossíveis de serem recuperadas. Outro ponto importante da narrativa é a luta de Eunice Paiva, viúva da vítima. Uma mulher forte, assertiva, que aos 41 anos se viu sem o marido, com cinco filhos para cuidar. Decide então batalhar duro, estudar Direito. Torna-se uma referência no Direito dos Povos Indígenas, com contatos como Ailton Krenak.

Por fim, apresentado de forma entrecortada, está o doloroso processo do surgimento e evolução do Alzheimer de Eunice Paiva. O autor narra o adoecimento dessa mãe que sempre foi referência de mulher forte e decidida. Uma mulher prática. Não é sem pesar que ele descreve os sintomas e estágios de evolução da doença.

É um livro sobre memória mas também sobre esquecimento. Uma narrativa que busca, de forma contundente e encarnecida, reconstituir todo o cenário e contexto do desaparecimento de Rubens Paiva. É também uma obra sobre os melhores anos de um menino, e como sua vida foi arrancada desse ambiente idílico e lançada rumo a uma nova realidade. E a crueldade da vida é tão grande que além de ter perdido o pai no início da adolescência, o autor tem que testemunhar também o definhamento da mãe, seu desaparecimento em vida. Apesar disso, Eunice declara, de tempos em tempos: Ainda estou aqui. É um brado de protesto contra o próprio sumiço dentro de si. Uma declaração de vida e resiliência.

Trata-se, portanto, de um intrincado emaranhado de narrativas, guiadas magistralmente por um artífice da palavra. Marcelo Rubens Paiva tem uma prosa cativante, um misto de confidência com testemunho, narrado na melhor forma. Seria um livro árido, não fosse o trabalho excelente que o autor faz da linguagem, relacionando acontecimentos, lembranças, notícias e depoimentos. Uma obra que busca lançar luz a um evento sombrio e também procura ainda que um mínimo senso de justiça.

Como apêndices, estão a denúncia do crime contra Rubens Paiva e seu acolhimento judicial. Realizei a leitura de ambos com grande pesar. É de fundamental importância que esses apêndices sejam de conhecimento geral, por um mínimo de reparação histórica. Esses documentos expandem a experiência de leitura e tornam o caso ainda mais palpável, ao oferecer detalhes do que já foi apurado sobre o acontecimento, o que contribui para a sua memória histórica

Por fim, uma nota que aponta que o caso está suspenso pelo STF. O que mostra que o brado por justiça continua a morrer na boca de todos aqueles afetados pelos crimes hediondos contra a humanidade promovidos pela sanguinária ditadura iniciada em 1964.


quarta-feira, novembro 20, 2024

Reencontros literários e novas amizades em Carmo da Mata

Autoras e autores em Carmo da Mata

Era uma quinta-feira. O dia estava nublado e a temperatura amena. Um ônibus com destino a Lavras, vindo de Divinópolis, parou diante da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, em Carmo da Mata, Minas Gerais. Dela desceu um escritor esbaforido e entusiasmado. Essa pessoa era eu.

Estávamos no início de novembro. Dia 7, para ser mais preciso. Meus olhos esbanjavam encantamento por estar mais uma vez nessa cidade onde tantas coisas boas aconteceram, um ano atrás. Estava lá para mais uma edição da Flicar - Festa Literária de Carmo da Mata. Criado e organizado por Júnia Paixão, o evento é uma celebração da Literatura, com diversas atividades propiciando a reunião de autoras e autores com o público leitor. É um momento também de renovar amizades e formar novos laços de companheirismo. 

E foi isso mesmo que aconteceu. Revi muita gente que conheci na última Flicar: Mírian Freitas, Júnia Paixão, Servos Cardoso, Luiz Eduardo de Carvalho, Pedro Gontijo, Thaís Campolina, Hércules Toledo Corrêa e seu marido, Fred. Reencontrei a Gilberta Kis, companheira do Pedro Gontijo, que ele me apresentou no Flipoços, em Poços de Caldas. Tive também o privilégio de encontrar a professora Carla Coscarelli, que me deu aula há mais de vinte anos no curso de Letras da UFMG, e a professora Ana Elisa Ribeiro, premiadíssima, que também me deu aula na UFMG e hoje é professora titular do curso de Letras no CEFET-MG. Reencontrei a escritora e poeta Ana Paula Dacota, com quem pude estreitar os laços de amizade. Esteve lá tamém a Ilma Pereira, que conheço de eventos anteriores e da Liga de Autores Mineiros. Pude rever a Marcela Fassy e a Carla Andrade, que eu já admirava e pude conhecer pessoalmente no lançamento do livro Damascos feridos, da Mírian Freitas, ocorrido em Belo Horizonte. Conheci a escritora Mara Senna e a professora pesquisadora Débora D'ávila Reis. 

Fui apresentado a outras pessoas, como a autora Amanda Ribeiro, que realiza incríveis vídeo-poemas. Além disso, havia uma galera incrível da graduação e da pós-graduação em Letras do CEFET-MG. 

A programação foi rica e diversificada. A abertura, ainda na quinta-feira, contou com um sarau e uma apresentação teatral. Em seguida, foi o lançamento conjunto de várias pessoas, eu entre elas. Lancei meu livro de poesia Cicatriz com muita alegria. Aproveitei para descobrir os livros das pessoas que estavam lançando comigo. Foi maravilhoso.

Na sexta de manhã, realizei na Escola Estadual Joaquim Afonso Rodrigues uma oficina chamada "Meu Primeiro Livro". Os estudantes se envolveram e participaram ativamente, ficando encantados com a proposta. Em seguida, participei da oficina de criação de zine da Carol Vasconcellos. 

Nessa mesma sexta, às 17h, tive o privilégio de participar da mesa "O lugar da Poesia na Contemporaneidade", juntamente com Alex Zani, Mírian Freitas, Mara Senna e Thaís Campolina. A mediação coube a Alícia Teodoro, que fez uma primorosa condução. 

A Festa continuou linda com outras mesas de debate e apresentações literárias. A programação completa pode ser conferida aqui: @filcar_carmodamata. O encerramento aconteceu no sábado, à noite. Porém, eu ainda aproveitei o domingo para curtir Carmo da Mata com algumas pessoas amigas. Foram momentos descontraídos de relaxamento, após as intensas atividades da Festa. Voltei para casa na segunda-feira, com a mente cheia de boas memórias e a mala repleta de livros!

Livros de autoras e autores da Flicar.

Fica registrada aqui minha gratidão à pessoa da Júnia Paixão por mais uma vez acreditar no meu trabalho e ter me permitido participar da programação de um evento tão incrível. E também a Carmo da Mata, pela acolhida sempre tão generosa!


Domingo em Carmo da Mata


Para homenagear a Flicar, fiz um poema, que transcrevo abaixo:

Celebração 


Entre badaladas e anúncios fúnebres, 

a Palavra era celebrada.

Gotas fortes de chuva molhavam 

os caminhos dos livros abertos. 

Os corpos se encantavam 

em meio a tanta água.

Linhas cruzadas, papel e caneta, 

furiosa busca. 

Histórias se derramando, líquidas, 

sobre ouvidos e olhos atentos. 

Na melodia das gotas sobre a lona 

a valsa literária embalava os presentes. 

Não havia tempo. Nem memória. 

Tudo era força e beleza. 

Potência decantada 

e luz.

Carmo da Mata, 11 de novembro de 2024

quarta-feira, novembro 06, 2024

As dimensões da alma

Imagem por Janine Bolon de Pixabay


Certa vez, um médico resolveu pesar uma pessoa às portas da morte. Repetiu a pesagem logo que a pessoa morreu. O resultado deu uma diferença de 21 gramas. Com isso, passou-se a considerar que o peso (ou a massa) de uma alma seria justamente de 21 gramas.

A suposta experiência carecia porém de rigor científico. Essa ideia da massa da alma, da vida de uma pessoa, perdurou por décadas. Chegaram a fazer um filme disso. Hoje em dia, já foi desconstruída. Se a alma tem uma massa, ainda não foi possível mensurá-la.

O legista faz uma autópsia. Disseca o corpo de alguém. Retira os órgãos um a um e os pesa. Até mesmo o cérebro é pesado. Tudo é anotado meticulosamente. Depois, os órgãos são colocados de volta no lugar e o corpo é novamente costurado. Não foi encontrado vestígio de alma.

Nos rituais de embalsamamento do Egito Antigo, os órgãos também eram retirados, inclusive o cérebro. No lugar deles, eram colocadas flores. Ao invés de serem descartados, os órgãos ficavam guardados em ânforas. Ainda assim, nem mesmo os egípcios foram capazes de mensurar as dimensões da alma.

Talvez ela esteja só escondida no emaranhado de vísceras de nossos corpos. Talvez habite na língua, esse poderoso músculo que nos conecta a outras pessoas. E nos separa também. Ou quem sabe cada um dos nossos órgãos escondam em si um pedaço da alma.

O corpo continua um mistério no que toca à questão da transcendência. A alma permanece inalcançável para os instrumentos científicos, por mais avançados sejam. Estaríamos fadados ao completo esquecimento? Seria a alma um delírio? As religiões afirmam sua existência, apesar do ceticismo cansado de tantos cientistas.

A alma e sua massa continuam a nos despistar. Talvez seja porque não é possível pesar o que é etéreo. As leis da física não se aplicariam ao sobrenatural. Ou talvez tudo não passe de um mero delírio de quem não quer, com sua morte, desaparecer.



 

sexta-feira, outubro 25, 2024

Cicatriz - Meus versos ganham páginas impressas

 

Quem acompanha este blog sabe dos meus experimentos poéticos. Há anos eu publico aqui um ou outro poema. Ando meio parado, é verdade, mas não deixei de correr atrás do meu fazer literário. Continuo escrevendo - inclusive poesia. Portanto, é com muita alegria que anuncio a publicação do meu livro Cicatriz. Trata-se de uma seleção de poemas, muitos deles publicados aqui no blog. 

Este é um livro em que a memória é abordada de forma dolorosa, bem como o aturdimento diante do absurdo que é viver. Sim, viver muitas vezes parece arbitrário e absurdo e o eu poético em Cicatriz questiona-se diante da vida e do mundo. Há também poemas políticos, homenagens e poemas de amor. 

O livro é publicado pela editora Litteralux (antiga Penalux) e conta com a orelha de Mírian Gomes de Freitas. Ele será lançado nas seguintes datas e locais:

Dia 31 de outubro de 2024, às 20h, no FLITABIRA.



Dia 6 de novembro de 2024, às 19h no bar O Boêmio. Av. dos Andradas, 367 - Lj 236C 1º andar - Centro, Belo Horizonte - MG


No dia 7 de novembro, às 19h30, estarei no lançamento coletivo da Flicar - Festa Literária de Carmo da Mata.



Dia 23 de novembro de 2024, às 10h30, na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de BH. 



sexta-feira, outubro 18, 2024

Értom - Convivendo com a morte



Ângela tem premonições de gente morrendo. E não são apenas visões, mas experiências vívidas de morte. Ela sente como se morresse junto com a pessoa. Isso causa um profundo estresse na mulher, que desenvolve uma forte fobia social e busca, de todas as formas, isolar-se. Quando ela testemunha um atropelamento, o policial Rafael entrará na sua vida e a transformará para sempre, mesmo contra a sua vontade.

Assim tem início o romance Értom, de Bianca Pontes. O enredo nos leva a testemunhar os problemas de Ângela Értom, seus desafios diários, seu refúgio em um prédio em que mais ninguém mora, a companhia da avó morta, que a assombra. E Rafael. O policial é insistente em fazer de tudo para ajudar a mulher. O que antes parece ser um forte senso de dever se transforma em paixão, que é rapidamente correspondida.

Rafael é o modelo de galã. Bonito, forte, charmoso, lutador de artes marciais e policial exemplar. Ele não consegue esconder o interesse por Ângela. A estratégia para romper as defesas da moça será o cão policial idoso Zeus, um pastor alemão carismático capaz de derreter qualquer gelo.

Ao longo da narrativa, o foco passeia entre Ângela e Rafael, de forma por vezes até abrupta. O leitor tem que se manter atento para perceber com quem está o foco narrativo. Trata-se de uma narradora onisciente neutra, que revela a nós, leitoras e leitores, o que Ângela ou Rafael pensam, suas inseguranças, seus medos e os questionamentos que pipocam em suas mentes nesse complicado jogo de conquista.

Trata-se de uma conquista, sim. É uma história de amor, afinal. Porém, é possível perceber que tanto Ângela quanto Rafael buscam se entender, antes de tudo. A química amorosa é consequência. Intrigado com a mulher que vive isolada de tudo e todos, resistente até a pedir ajuda médica com um braço quebrado, Rafael sente-se no dever de ajudá-la, de entendê-la. Ela se torna um enigma a ser decifrado. 

A avó de Ângela surge como um grilo falante incômodo. Um cacoete de consciência, misturado com pensamento intrusivo, o que torna a vida de Ângela um inferno, ao mesmo tempo que nos diverte na leitura. Os diálogos com esse fantasma são uma forma de humor sombrio, ao mesmo tempo um alívio cômico, uma vez que os comentários da idosa são espirituosos. 

As relações humanas são o grande foco de Értom. Não é o sobrenatural ou mesmo as investigações do diligente policial. Bianca Pontes reflete sobre sofrimento mental, (des)crença, empatia e paixão. Rafael e Ângela sentem um magnetismo forte entre eles. Não sem acidentes, é claro, pois todo relacionamento é feito deles. Rafael luta para entender o problema de Ângela e quer ajudá-la. A questão maior é justamente a abordagem equivocada do policial.

Só que esta é uma história de amor, antes de tudo. Com mortes, visões sombrias, sofrimento, pânico e um fantasma incômodo, mas não deixa de ser uma história romântica. Uma narrativa que aposta no amor acima do sofrimento e dos desencontros. E que acredita que almas que se amam são capazes de vencer tudo, até mesmo a morte.


Ficha Técnica

Értom

Bianca Pontes

ISBN: B0DDK149FJ

Ano: 2024 

Páginas: 184

Idioma: português

Editora: Bianca Pontes


Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/ertom-122490552ed122490967.html

quinta-feira, outubro 03, 2024

Lançamentos do livro "Achei que você fosse o outro"



Faz tempo que tentava publicar um livro com o Rodrigo Teixeira. Escritor nato, talentoso e genial, Rodrigo mantinha um blog chamado "Bom Dia, Mudo Cruel!" que eu frequentava assiduamente. Esse blog, porém, foi descontinuado, embora permaneça online, com os textos do Rodrigo na nuvem. Recomendo muito o acesso. 

Enfim, desde que eu publiquei a primeira vez, há onze anos, sentia que era uma injustiça não ver os textos do Rodrigo impressos em papel, organizados em livro. Desde que nos conhecemos e nos aproximamos, surgiu a ideia da publicação conjunta. À época, havia uma terceira pessoa nesse projeto, mas a tríade não se sustentou. Ficamos apenas nós dois. E assim, entrava ano, saía ano e nada da gente publicar. 

Os textos foram organizados e reorganizados, revisitados várias vezes. Exigente, Rodrigo confessava que, a cada revisão, retirava um texto. Exasperado, instei que a gente publicasse logo, com medo de no final sobrarem somente os meus textos. Assim, fechamos uma versão final do livro conjunto.

Havia agora um outro desafio: Qual título dar para a obra híbrida? Deveria ser algo que representasse nossa amizade e parceria. Como sempre, Rodrigo teve uma sacada genial, retirando sua ideia de um incidente pitoresco. 

O ano era 2019. O local, o Centro Cultural Usina de Cultura, no bairro Ipiranga, em Belo Horizonte. Eu havia comparecido ao evento pela manhã, cumprimentado todos, curtido a programação. Rodrigo estava escalado para uma roda de conversa às 16h e chegou já no período da tarde. O problema é que ninguém o cumprimentava. As pessoas passavam por ele e o ignoravam. 

Ele começou a ficar preocupado. Já se perguntava o que estaria acontecendo quando o poeta e multiartista Dione Machado passou por ele, parou, voltou e disse: "Ué, achei que você fosse o outro!" Rodrigo então entendeu. As pessoas já haviam me cumprimentado pela manhã e, como é costume nos confundirem, achavam que eu e ele fôssemos a mesma pessoa. 

Isso é mais comum do que as pessoas que não nos conhecem podem pensar. Trabalhamos juntos no mesmo lugar, a Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. Em diversos momentos tem gente trocando nossos nomes ou perguntando se somos irmãos. 

Ao se lembrar do incidente, Rodrigo chegou ao nome do livro: Achei que você fosse o outro. Contratamos o serviço do Selo Editorial Starling para a produção e impressão. Como podem constatar, resultado ficou lindo. 

Fizemos dois lançamentos. O primeiro foi conjunto, na Biblioteca onde trabalhamos. Foi em um sábado, dia 6 de julho de 2024. O segundo foi no Sarau do Coletivoz, numa quarta-feira, dia 10 de julho no The Wall Pub, em Contagem. Tivemos a presença do Coletivo Simples e também de representantes do Movimento Arte Contra a Barbárie. Já  terceiro e "oficial" foi no bar O Boêmio. Um momento de muita alegria e pertencimento. Além de muita cerveja! Pudemos nos três eventos encontrar amigos que nos apoiaram de forma tão presente. 

E por fim, fizemos parte de um lançamento conjunto na Sétima Candeia - Mostra Internacional de Narração Artística. Foi lindo, também!

Agradeço imensamente a todo mundo que participou de algum dos lançamentos. Sou grato também a quem não pode ir mas comprou um exemplar com a gente!

Seguem agora algumas fotos para ilustrar esses momentos marcantes em nossa trajetória literária.















quarta-feira, setembro 04, 2024

Nos desvãos das palavras - Nuvens


Até onde uma palavra pode ser explorada? Felipe Diógenes, com seu livro Nuvens, explora os limites do uso não-utilitário das palavras, procurando combinações das mais inusitadas, elaborando assim elementos fantásticos em imagens oníricas e metáforas inventivas.

Há algumas palavras recorrentes. Uma delas é catacrese; a outra, talisca. Os sentidos das palavras são esgarçados, não importa o sentido, o que mais importa é a sua sonoridade e a composição onírica das construções metafóricas.

Claro discípulo de Manoel de Barros, Felipe Diógenes procura explorar os sentidos simples das palavras, mas também seu esvaziamento. Cria novas possibilidades de sentido e não-sentido. A memória e sua fugacidade também é abordada nos poemas. A brincadeira de confundir olvido com ouvido é primorosa e bem-humorada. 

A palavra se afasta totalmente de seu viés utilitário, levada a alçar voos, inaugurando sentidos oníricos. “mas pedra é igual equivalência de nuvem”. Nesse verso, presente no primeiro poema do livro, Felipe dá o tom da sua obra, em que os sentidos se entrelaçam. Pedra e nuvem se aproximam e um universo maravilhoso é criado como numa tela surrealista. 

Mas antes mesmo do primeiro poema há uma epígrafe de Manoel de Barros: 

“Repetir repetir – até ficar diferente./Repetir é um dom do estilo.”

E para seguir os versos de seu mestre, Felipe Diógenes repete até ficar diferente. Suas ideias são recorrentes, como a exploração imagética e sonora das palavras. Criando novas fronteiras, o poeta lança mão de sua genialidade para produzir poemas que nos cativam por sua sonoridade e pelas construções inusitadas.

Outra sacada genial de Felipe Diógenes é usar a palavra quase, desconstruindo as palavras colocadas ao lado desta: “quase rua”, “quase todo”, “quase peixe”, “quase fogo”. Numa sanha de desconstrução, Felipe devassa a língua, tornando-a algo mais, como que inaugura uma outra língua, um código secreto, reservado apenas aos iniciados.

A poesia de Felipe Diógenes é incômoda, como toda boa poesia. Como toda poesia genial. Ele nos toma pela mão e nos guia por um caminho caleidoscópico, em que sons e sentidos se misturam, num verdadeiro emaranhado onírico de imagens.


Ficha Técnica:

Nuvens

Felipe Diógenes

Editora Patuá

2024

54 páginas

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/nuvens-122497045ed122497523.html

sexta-feira, março 29, 2024

H.R.




Teu nome 

continua 

retumbando 

em meu peito. 

Um nome 

forte e cálido, 

firme como 

o mármore 

mas 

que evoca 

múltiplas existências 

das correntes. 

Nunca mais te vi, 

mas tua beleza 

continua a assombrar 

meus dias 

e inflamar 

minhas noites.

sexta-feira, março 22, 2024

Outro exercício de método



Quero escrever 

Poesia 

mas não sei 

se consigo 

transformar

em matéria 

das palavras 

a angústia 

reinante 

em mim. 

Então eu me

limito a deixar 

o pensamento

fluir, para não 

se represar 

e estagnar 

em meu ser.

sexta-feira, março 15, 2024

sexta-feira, março 08, 2024

Estou cansado


Estou cansado. 

Meu cansaço 

é antigo. De eras. 

Durmo mas não 

descanso. 

Sou um corpo 

insone 

que vaga pela terra 

buscando paz. 

Mas o que ele vê 

é guerra.

sexta-feira, março 01, 2024

Olho sua foto


Olho sua foto 

e meu coração dói 

por saber 

que você 

nunca 

estará em meus 

braços. 

Essa certeza me 

dilacera por dentro. 

A solidão 

de não ter você 

é aquela que 

perfura mais 

fundo. 

sexta-feira, fevereiro 23, 2024

Hackeado


Somos parasitas

destes corpos

a consciência 

é um vírus

feito para 

corromper

a máquina

biológica.

Ser Humano é

o veneno da

Vida.


26/04/2019