segunda-feira, outubro 03, 2011

A Cidade Suspensa – Parte VII


Para escapar dos estranhos seres que vagam entre as ruas desertas, Kain busca abrigo em um bonde noturno. Em uma viagem quase macabra, ele está prestes a descobrir alguns inusitados segredos sobre a Cidade Suspensa...


O bonde sacudiu freneticamente enquanto alguns passageiros soltavam exclamações de sobressalto. Mesmo desconfiando da integridade do veículo, Kain mantinha sua costumeira serenidade. O barulho e as convulsões externas ao bonde tinham amainado e a atenção do viajante voltou-se então para a paisagem bizarra que se constituía na Cidade Suspensa. Kain pôde perceber grandes edifícios com chaminés e formidáveis fornalhas. O fumo que as mesmas despejavam, invisível na escuridão, tornava-se distinto por segundos, quando era iluminado pelo calor do fogo das chaminés.

Eram quilômetros e mais quilômetros do que parecia ser um complexo industrial no coração da Cidade. Kain olhou para baixo e percebeu que alguns blocos dessa região não estavam ligados pela base. Dava para ver as nuvens passando por debaixo de uma espécie de fenda, que era mantida unida por uma grossa corrente de ferro. Olhando ao longe, podia-se observar que essa corrente repetia-se por toda a extensão dessa fenda, mantendo a unidade daquela seção da Cidade.

“Impressionante, não?” comentou alguém ao lado de Kain. Desinteressado, ele virou-se e notou que um rapaz negro, de olhos vivos e cabelo rastafari o olhava com um sorriso brincalhão. Percebendo a mudez de Kain, o rapaz continuou:

“São as fornalhas. Elas são tudo aqui na cidade. Impulsionam as máquinas das fábricas, deixam as caldeiras aquecidas para os banhos dos turistas, mantêm toda a cidade flutuando...”

“Banhos? Turistas?” perguntou Kain, saindo de sua taciturna mudez.

“Sim, banhos e turistas. Alguns deuses gostam muito de nossos hotéis e boates, repletos de saunas, massagens e banhos. Ninguém fala abertamente, mas eu já vi uns anjos também. Sempre chegam disfarçados, pra não ficarem com a imagem comprometida...”

O bonde continuava a se mover pelos trilhos, os quais faziam uma ponte para transpor a enorme fenda que separava os blocos da cidade. O companheiro de Kain olhou para baixo, para o infinito de montanhas, vales e rios que passavam com rapidez sob a cidade.

“Eu nunca me acostumo com isso” comentou o jovem. “Tem uns outros lugares em situação bem pior. Só cabos de eletricidade, um punhado de gatos, prendendo quarteirões inteiros. Se cortarem um fio, já era.”

“Mas as pessoas não têm medo?” perguntou Kain.

“Medo? Pode ter medo quem não tem alma? Ou tem uma falsificada? Muitos vendem o próprio coração para ter uma alma artificial, feita aqui na Cidade. Com ela, não é preciso ter medo. Ou se tiver, ele será muito mais saboroso. A propósito, sou Salomão.”

“Kain.”

“Belo nome, meu caro,” riu Salomão. “Com certeza um nome ideal.”

Kain não entendeu o comentário do outro, nem sua entonação, mas permaneceu calado. Sentia-se estranhamente nervoso. Tinha a sensação de que estava sendo procurado, e que seu caçador já deveria estar nas imediações da Cidade. Para disfarçar o nervosismo, Kain pegou a medalha que ele tinha guardado no bolso direito do sobretudo e começou a girá-la entre os dedos. Salomão olhou com interesse aquele pedaço de metal.

“A insígnia da Biblioteca!” comentou o rapaz, admirado. “O senhor é representante do Bibliotecário?”

“O quê?” Kain ficou bastante confuso com a pergunta. Salomão, pelo contrário, mudou sua expressão, como se tivesse acabado de entender.

“Sim, sim, quer dizer que você é um emissário então. Tem passe livre para a Biblioteca. Pode me dizer o que vai buscar lá?”

Kain entrou em alerta. A cada momento naquela cidade Kain testemunhava estranhas personagens interessadas em sua missão. Esse inusitado interesse despertava a desconfiança do viajante. “A cada encontro que temos com alguém, realizamos um nó na linha de nossas vidas”, lembrou-se. Temia ficar enlaçado. Talvez a misteriosa sombra que havia ficado para trás, no ponto, seria apenas mais um dos perigosos nós que Kain deveria enfrentar.

5 comentários:

  1. Tá rolando um erro de continuidade aqui... ou eu não entendi direito porque faltou um ponto final, sei lá.

    "Kain entrou em alerta. A cada passo naquela cidade, a aproximação pessoas aparentemente curiosas

    A cada momento naquela cidade Kain testemunhava estranhas personagens interessadas em sua missão. "

    Esse negócio está ficando cada vez melhor. Tenho medido isso pela minha ansiedade em ver capítulos novos, que é crescente!

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  2. Mais uma vez você salvou o dia, Teixeira. Tenho que agradecer e temo o dia em que você comece a cobrar essas revisões... rsrsrs...

    A propósito, quando você vai atualizar o Bom Dia Mundo Cruel? Tenho que mudar a citação na assinatura do meu e-mail...

    Aproveito para agradecer os comentários de todos que estão acompanhando a saga de Kain e também os outros posts do blog. Não costumo comentar o próprio post, mas não significa que não tenho recebido as mensagens de apoio de todos. Mais uma vez, obrigado!

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  3. “A cada encontro que temos com alguém, realizamos um nó na linha de nossas vidas”. FODA.

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  4. Assim que li essa frase do Tyrion no livro, parei de ler e vim colocá-la no blog, achei muito boa mesmo... alias, de todos o Tyryon é meu preferido... como todo comentário que eu leio diz que hora a gente ama hora a gente odeia os mesmos personagens, pode ser que eu me decepcione com ele em a Fúrua dos Reis, mas de qq forma, o que mais me atrai nele é sua inteligencia e a forma como ele encara suas limitações, sem ter pena de si mesmo!!!

    E sobre Nárnia, concordo com vc que ´livro é muito para se falar em pequenos comentários e as falas de Aslam sempre me emocionam e enchem meus olhos de lágrimas...

    Em especial o que ele diz pra Lucia no fim de O Peregrino da Alvorada me arrepia só de lembrar!!!

    Perfeito e emocionante!!

    Ah... estou amando sua Cidade Suspensa, viu!!!

    Abraços
    Fefa

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  5. A Cidade Suspensa é fascinante em sua construção física e seus mistérios.Cada personagem, deixa um "ar" estranho que estimula a curiosidade das pessoas em querer conhecê-los melhor. Mas talvez sejam mistérios que devem ser vistos como um sonho que jamais se repetirá e que não chegou ao final. Acho que a parte mais deliciosa da trama é Kain, que possui seus mistérios e segredos.
    Abraços, meu caro amigo.

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