sexta-feira, novembro 04, 2011

Sombras de Reis Barbudos - um labirinto de palavras

Neste mundo de mídias de massa, muitas obras acabam assumindo uma roupagem mais "homogênea", visando alcançar o cidadão comum. E dessa forma, os conflitos abordados acabam sendo também os mais banais, de forma a "poupar" o leitor, já tão estressado pela insegurança das notícias econômicas, das catástrofes, da política. Ficamos então, em muitos casos, com um material meio morno, que serve mais para entretenimento. Principalmente quando o livro é dirigido a todas as idades.

Mas de vez em quando somos surpreendidos com trabalhos que, embora despretenciosos, carregam uma mensagem contundente em uma linguagem simples e extremamente acessível. Este é o caso de Sombras de Reis Barbudos, de José J. Veiga. Narrado por uma criança, mas recomendável a pessoas de qualquer idade, o livro conta sobre Lucas, um garoto morador de uma pequena cidade interiorana. Já no início da narrativa, a vida do garoto muda com a chagada do tio Baltazar, o abastado parente que há tempos não aparecia. O fato marcante decorrente da chegada de tio Baltazar é a criação da Companhia, uma fábrica que promete mudar a vida de todos os moradores da pequena cidade.

A princípio, todos estão felizes e satisfeitos com a onda de prosperidade. Mas tio Baltazar é obrigado a afastar-se da Companhia e então o terror começa. Os ameaçadores fiscais são recrutados e enviados para impedir que qualquer pessoa descumpra as regras da Companhia. À medida que o tempo passa, mais regras são criadas, muitas delas tão absurdas como os muros que são gradativamente erguidos, transformando a cidade em um labirinto claustrofóbico. 

A narrativa se desenvolve repleta de lacunas e sugestões, nos moldes de um pesadelo, de forma a deixar sempre um mistério no ar: O que a Companhia realmente faz? O que ela quer de verdade? Mas Lucas, enquanto conta sua história, mostra que já sabe a resposta, e também deixa a entender que ela não pode ser pronunciada.

Embora opressivo e labiríntico, Sombras de Reis Barbudos é uma obra excepcional, com uma escrita leve e muito gostosa, que pode ser lida por qualquer pessoa. É um trabalho genial de alguém que, em plena ditadura, deixou um forte apelo contra os desmandos do Poder.

Confira abaixo um trecho que dita o tom do texto:
Eu estive enganado o tempo todo. Tio Baltazar passava muito bem. A reunião era uma festa para comemorar a torre que ele acabava de construir, obra nunca vista e muito importante encomendada por uma comissão de reis barbudos. Como prêmio tio Baltazar ia ser nomeado rei também, aquela gente toda estava ali para ajudá-lo a experimentar a roupa, a coroa e a barba postiça que ele ia usar enquanto não crescesse a verdadeira.

Tia Dulce passou por mim vestida de rainha e pintando as unhas com esmalte, o cabelo comprido voando para trás e largando um perfume de rainha. Corri atrás dela para falar dos presentes que eu tinha levado, ela desapareceu entre as colunas do corredor comprido e largo, cansei de procurá-la, por onde eu olhava só via chão de mármore e colunas a perder de vista, e lá muito longe a claridade bonita do luar.

Tio Baltazar estava me esperando na torre, queria a minha opinião antes da festa, mas com aquele saco de presentes inúteis nunca que eu chegava a tempo, e ele na certa ia ficar com raiva de mim, cortar relações, me demitir de sobrinho, agora como rei ele tinha poderes. Também que idéia de mamãe me obrigar a carregar aquele saco tão cheio de coisas da horta, batata, quiabo, jiló, mangarito, jacutupé, eu já estava quase achatado debaixo do saco. E que idéia a minha também de sair à rua em dia de festa vestido só com uma camisa curta, e num frio daquele.

Quando tudo parecia perdido alguém me carregou nos braços, me deitou num jirau macio e estendeu um cobertor por cima de mim.


Ficha técnica:

Título: Sombras de Reis Barbudos
Autor: José J. Veiga
Edição: 27

Editora: Bertrand Brasil
ISBN: 9788528603200
Ano: 2008
Páginas: 142




Confira a página do livro no skoob: http://www.skoob.com.br/livro/798

10 comentários:

  1. Nerito, não conhecia esse livro, mas me parece muito interessante!!!

    Muito legal quando conheço obras que nunac tinha ouvido falar, atra´ves dos blogs que sempre visto!!!

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  2. Rei Barbudo... Ray Bradbury... hehe... hehehe... hahahahahahahahahaha!

    Eu não presto...

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  3. Pois é, Fefa, essa é a maravilha de compartilharmos leituras. Eu já estou na metade de "A Sombra do Vento"...

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  4. Nerito... eu realmente gosto de "coisinhas de caveiras" hehehe... se vc prestar bem atenção na foto de Marina, vai reparar no meu anel!!! EU adoro um estilo "rocker"!!!

    Mas, voltando ao assunto que temos em comum... hehehe já que vc entende muito de Revolução Francesa, poderia me indicar algumas obras sobre o assunto, vão me ajudar muito!!!!

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  5. que bonitinho! bem linguagem de uma criança contado a história. Parece bem interessante, digno de ler.. e cá estou eu pensando em como concluir três trabalhos antes das 17h. Ai ai... Deixa eu acabar de ler os seus posts para me inspirar no que escreverei em meus trabalhos ;)

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  6. Metaleira?!?!

    Não, nem de longe... gosto de rock, mas não sou metaleira não.... hehehehe apenas gosto de acrescentar um pouco do "peso do rock" aos meus looks diários hehehehehe... para quebrar um pouco do jeitinho nerd de ser!!!

    Uma caveirinha aqui... um esmalte preto ali... hehehehehe

    que engraçado!!!

    Viu, qq ta achando de A Sombra do Vento??? As vezes eu tenho medo de falar demais e fazer as pessoas se decepcionarem com os livros.... ;o)

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  7. Deixa eu te perguntar e sugerir: Gabriel Garcia Marquez, você não gosta, não?

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  8. Oi Nerito!

    Li esse livro na escola, mas não lembrava mais da história. Não lembrava nem o nome, pra ser sincera, mas assim que vi o post, veio na memória. Mas lembro que não gostei muito do livro. Talvez hoje eu sinta diferente, mas acho que nem tenho mais o livro.

    Ah! Finalmente li A cidade suspensa! Muito bom, li tudo de uma vez e estou ansiosa para ver como termina.

    Eu AMEI a Sombra do Vento. Nào conseguia parar de ler. Me apaixonei por Julian e Daniel, Núria e Miquel. A minha frase no skoob (vou te adicionar também!) é na verdade um parágrafo dele. Tenho O jogo do anjo na estante e logo logo vem Marina.

    Beijos e bom final de domingo!

    Fernanda

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  9. O livro parece ser bem interessante! Já coloquei no meu "Vou ler" do skoob, haha. Além do mais, ótima resenha!

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  10. Anônimo1:40 AM

    Gostei muito desse livro. Aproveitem é muito delicado ao falar de um assunto tão doloroso.

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