Era um
dia ameno, ótimo para um bom passeio. Acompanhado pela
namorada e por duas amigas, ele chegou a um espaço cultural
que prometia uma exposição imperdível. Os
problemas, contudo, surgiram logo que lá chegaram: fila
enorme, atendimento ruim e uma decepcionante coleção de
arte barroca.
Fugiram
para a segunda galeria, onde as obras de um pintor surrealista estavam expostas. Os quatro
corriam os olhos pelos quadros, avaliavam, comentavam, ponderavam. As
três moças estavam quietas, insondáveis. Ele, no
entanto, parecia perturbado com as criações do tal
surrealista. A namorada logo percebeu e perguntou o que ele tinha.
Não foi possível responder, pois um incidente desviou
sua atenção.
Um
segurança acusou injustamente uma de suas amigas de ter
encostado em uma das obras. A injustiça gerou discussões
e reclamações. Todos saíram um pouco irritados
com o ocorrido e deixaram para trás a galeria com suas imagens
surrealistas.
Não ele. Enquanto
as três moças conversavam trivialidades, ele deixava que
as imagens da galeria atravessassem sua mente. Sentia um incômodo
inexplicável, como se tivesse deixado passar algum detalhe.
Era como se uma mensagem oculta o estivesse chamando das sombras.
Naquela
noite, porém, as imagens surreais invadiram seu sono. Em
sonhos ele se vê diante do mesmo espaço, sozinho. A
galeria está vazia e gelada. Apesar disso, as luzes se mantêm
acessas, derramando-se intensamente sobre as paredes brancas. Ele
teme se perder nessas paredes, no esquecimento que a brancura delas
evoca. Seus passos ecoam no piso coberto, como se o carpete fosse
mármore e como se ele estivesse calçado.
O
primeiro quadro mostra o interior de um cômodo onde se revela
uma construção dantesca de formas geométricas,
dispostas sem qualquer lógica. Ao lado do quadro, a inscrição:
"Interior Metafísico". A imagem fere sua mente e ele
busca se afastar dali.
Ele
percorre os corredores da galeria e a armadilha o persegue nos
quadros seguintes, com as mesmas montagens terríveis. Seus
olhos buscam descanso em uma outra moldura que se destaca ao longe,
uma provinciana praça da Itália.
Apenas
uma praça, solitária, ladeada por
fachadas de pequenos edifícios. Ao fundo, uma mancha branca. A
paisagem além da praça está repleta de bruma,
deixando antever apenas o vulto de uma enorme construção.
Enquanto ele se aproxima, percebe que a bruma que havia no
quadro toma também parte da galeria. Nos cantos longínquos
os vultos escuros dos seguranças se desenham, enquanto a bruma
pouco a pouco se dissipa. Ele sente um pouco de alívio ao
perceber que, afinal, não está sozinho.
Ao chegar
diante do quadro, ele vê que a praça é dominada
ao fundo por uma torre cilíndrica. Pressente o perigo, pois o
mistério da torre é ainda maior e mais funesto que o
interior metafísico.
Ele
decide então deixar a galeria e vaga entre paredes metafísicas
e grandes estátuas de bronze. Sentindo-se desorientado,
procura um dos seguranças, para logo descobrir que não
passam de estátuas sem rosto, cobertas de engrenagens e
miniaturas de templos helênicos.
Acossado
pelos quadros e por suas visões, ele tenta escapar por um
corredor que acaba em um quadro titânico onde a torre aparece,
única e soberana. Bem às suas costas, as figuras de
bronze começam a se mover em sua direção.
A
urgência do terror o impele a ultrapassar o limiar do quadro,
sem que se desse conta do fato. Percebe apenas que avança pela
sacada da torre, sempre subindo. Ao longe, montanhas sombrias são
adornadas por nuvens. Um vento gélido açoita as colunas
da torre, tornando a subida ainda mais penosa.
Ele chega
ao topo quando não pode mais escapar. No alto, uma outra
torre, invertida, se une à primeira. No ponto em que as duas
se encontram há uma placa de bronze e escrito nele um nome
secreto. Ao pronunciar aquele nome, sente que suas pernas vão
se enrijecendo. De seus ombros brotam espirais, de seu peito surgem
fachadas de templos, colunas dispersas. Seu rosto perde os contornos.
No alto da torre, monumento de bronze, ele se torna o enigma.
Comentário 1: O texto está perfeito!
ResponderExcluirComentário 2:Puxa vida! Não achei decepcionante o Caravaggio!
Comentário 3: das moças, amigas do teu personagem, pelo menos uma estava tão incomodada quanto....
Comentário 4: de Chirico é mesmo Puro pesadelo!!!