segunda-feira, julho 16, 2012

A Aranha

Quando criança, ouvia de minha mãe a história de um homem mau que, por ter salvo uma aranha, pode pela teia da mesma buscar uma saída do inferno.

Essa fábula ficou gravada em minha mente, sobreviveu através dos anos. Talvez porque minha relação com os aracnídeos não seja das melhores. As teias de aranha em muitos casos são ligadas à ruína, ao abandono, e mais diretamente à ideia de uma armadilha fatal. Nesse sentido, também não seria gratuita a relação estreita entre mulheres e aranhas.

Talvez seja por isso que nunca me dei bem com elas (as aranhas), pois elas sempre me fizeram sentir acuado, cercado, caçado. A meticulosa habilidade da aranha em tecer uma casa mortal sobre sua presa me lembra de quantas vezes fui imobilizado, ludibriado e manipulado por uma paixão.

Assim, essa dificuldade em relação às aranhas fez com que eu sempre perseguisse as pobres. Não podia me tranquilizar por saber que havia uma aranha no mesmo cômodo que eu. As criaturas sofriam com as investidas de minha vassoura, na frequente ocasião de uma faxina.

Meu comportamento então agressivo começou a mudar depois que li O Castelo Animado, por causa do zelo do Mago Howl em relação às aranhas. Sophie era proibida de matá-las, deveria espantá-las apenas, caso precisasse remover suas teias durante a limpeza periódica do Castelo. Passei a repetir em meu apartamento o procedimento adotado por Sophie, acreditando que, se o Mago Howl respeitava tanto as aranhas, elas devem de fato ter algum valor.

Com a mudança de meu comportamento, as aranhas começaram a prosperar lá no apartamento. Andavam gordas e vistosas. Em especial uma rechonchuda, enorme de gorda, tantas moscas comera! Para minha sorte, todas elas eram aranhas de pernas bem finas; por isso meu choque não era lá tão profundo quando as via circularem em bando pelos cantos de minha sala.

Por meses convivi com essa grande colônia. A enorme aranha, como uma rainha, comandava sua prole do banheiro. Toda noite, enquanto escovava os dentes, eu observava com cautela a essa inconveniente rainha empoleirada no alto.

Uma noite fui surpreendido ao ver uma mancha escura, repleta de pernas, na metade da parede, a dez centímetros do meu rosto. Levei um enorme susto! Afastei-me por alguns segundos, até perceber que era minha costumeira inquilina, que tentava retornar a seu ninho. Seus esforços eram grandes, mas ela subia errática, trôpega. Não foi difícil concluir que a velhice já pesava suas finas pernas, enquanto ela escalava heroicamente o azulejo claro e liso. Imaginei que ela não passaria daquela noite, nem alcançaria seu tão almejado destino.

Na noite seguinte, qual não foi minha surpresa! A pequena guerreira lá estava em seu trono diáfano de teias, como se nenhum incidente tivesse sequer abalado as forças de suas pernas. E naquele momento pude entender o zelo do Mago Howl.

Cheio de admiração, saudei-a silenciosamente. A aranha morreria, disso eu tinha certeza. Naquela noite, porém, ela mostrava que a morte seria obrigada a esperar.

5 comentários:

  1. O padre, nas missas da minha infância, sempre contava essa historinha.
    Mas as aranhas merecem respeito sim:se sua ancestral ,Aracne, foi capaz de provocar o despeito em Atena, a mais perspicaz das deusas!!!!

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  2. rapaz... não foi no seu banheiro também que você contou outro dia que tinha um sapo?

    Quanto a comparação das teias com as paixões, achei pertinente. Mas é ou não é único estar apaixonado e de repente, tudo e por vezes, mais que tudo, valer a pena?

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  3. Não me incomodo com certos tipos de aranhas, mas tem outros tipos que me preocupam, quando as mesmas resolvem brincar de pular em cima da cama que estou dormindo, ainda mais as que são realmente maiores que as papa-moscas.
    Quanto ao lado mítico... Há pessoas que já tiveram algumas visões tão interessantes em relação à minha pessoa... Mas isso fica para uma outra hora.

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  4. Aranhas sempre foram, em minha vida, um símbolo de que eu não gosto de varrer a casa...

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  5. Eu faço como o Mago Howl: apenas retiro suas teias quando limpo a casa, as espantando para não machuca-las. mas em XXX Holic também há uma menção sobre não incomodar aranhas, nem mesmo destrindo suas teias. Mas isso deve valer só para o exterior (jardim).
    Que crônica legal. Gostei.

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