Ir para Seridath - Parte II de II
A taverna fervilhava de gente
naquela noite. O ir e vir dos fregueses, toda aquela movimentação,
deixava Aldreth atordoado. O olhar do rapazinho passeava, num misto
de curiosidade e temor, dos barbudos e ruivos bárbaros do
oeste além-mar aos inquietos e explosivos anões. Havia
na taverna pelo menos uns três daqueles pequenos seres,
habitantes de Nyrbern, terra árida situada bem a sudeste.
Seridath mantinha-se calmamente sentado na mesa que escolhera, no
fundo do salão, tendo o capuz a envolver seu rosto em sombras.
Observava silenciosamente o entra e sai de pessoas da taverna. Estava
limpo e barbeado, seus cabelos aparados de forma mais regular,
embora ainda estivessem um pouco compridos, atados em um rabo de
cavalo.
Apesar de estar mais apresentável,
o cavaleiro mantinha aquele seu habitual ar de ameaça. Sempre
que voltava seus olhos ao amo, Aldreth sentia um calafrio, pensando
se talvez não seria melhor fugir logo que uma oportunidade
surgisse. Seridath, por sua vez, fixava os olhos frios e brilhantes
no o garoto, como que afirmando saber o que Aldreth pensava. E a alma
do rapaz gelava com esse olhar.
Fazia três dias que os dois
estavam em Sathal, capital do reino de Dhar. Era início do mês
de Auluman, e o outono ia pela metade. Conforme Seridath ficou
sabendo pelo dono da taverna, aquele era o ano 823 da Era dos Reinos,
no nono século após o fim da Era da Rainha.
Seridath e seu pajem se conheceram
em Khir, o decadente reino que fazia fronteira com a cordilheira de
Gaeramont. O cavaleiro queria empregar sua espada, alistar-se em um
exército mercenário. Aldreth contou-lhe que o rei de
Khir, embora em constante guerra com Nébria, ao sul, não
tinha condições de pagar soldo a seu exército.
Seridath então decidira partir rumo a um país mais
rico.
Em uma viagem tranquila, haviam
deixado Khir, atravessando Helgara e Belgamon, até alcançarem
as campinas férteis de Dhar e a sua capital de torres brancas,
Sathal. O cavaleiro acreditava que os deuses lhe sorriam já
que, ainda antes de atravessar os portões, soubera que havia
emprego para homens hábeis com arco ou espada.
Seridath se hospedara naquela
mesma taverna, onde recolhera informações. Soubera de
um grupo de excêntricos velhos que estavam organizando uma
força militar. Aldreth, que ficara dormindo no estábulo
com os cavalos, foi enviado pelo amo para encontrar um desses velhos.
Agora, Seridath aguardava regando
sua impaciência com algumas canecas de cerveja escura. Após
alguns minutos de espera, um velho de longos cabelos grisalhos e pele
bem enrugada entrou pela porta da taverna. Alguns homens cessaram
suas conversas e puseram-se de pé, com a mão direita
sobre o peito. O velho não lhes deu atenção,
aproximou-se da mesa de Seridath e sentou-se de frente ao jovem.
Vestia uma manta de pele de algum animal selvagem e tinha uma espécie
de touca repleta de contas de várias cores. Carregava um
rústico bordão, cujo cabo utilizava como apoio. Parecia
um curandeiro.
O homem cuspiu um bolo de ervas
mastigadas no assoalho de madeira, fazendo Aldreth virar o rosto de
nojo. Apesar da reação do garoto, o velho fitou-o com
um sorriso franco. Encabulado, Aldreth baixou o rosto, encostando o
queixo no peito. O velho apenas balançou a cabeça,
abrindo mais o sorriso. Era um estranho homem, cujo nome era tão
estranho quanto sua fisionomia. Chamava-se Urso Pardo de Orgulho
Severo. Seridath despachou Aldreth, ordenando que trouxesse duas
canecas de cerveja. O rapazinho pareceu aliviado ao deixar a mesa.
– Tu marcaste
este encontro, jovem – começou a dizer o velho, ainda
sustentando o sorriso. – O que posso fazer por ti?
– Sou
novo na região e ando à procura de trabalho. –
respondeu Seridath, calmamente – Soube que o senhor está
recrutando homens para um exército. Marquei esta entrevista
para averiguar as condições e decidir se a oportunidade
é boa.
A surpresa de Urso Pardo foi
visível diante da impertinência do jovem.
– Ha,
ha, ha! – riu o velho. – Onde vives, rapaz? O que sabes acerca
desse suposto exército?
– Sei
pouco, é verdade. Apenas que um grupo de velhos, por algum
motivo conhecidos como andarilhos, estão organizando uma
força, dizem que para combater sombras e rumores.
– De fato,
esta é parte da verdade. Estamos reunindo forças, pois
rumores assombram o norte destas terras.
– E que
rumores seriam esses, velho?
– Rumores
sobre uma praga que dizima aldeias ao norte. Uma praga fatal, que
leva à loucura e faz o corpo da vítima andar após
a morte. Até o presente momento, não houve clérigo,
sacerdote ou mago que tenha alcançado êxito em reverter
os efeitos dessa praga. Para lidar com tal crise, a Companhia dos
Andarilhos decidiu agir.
– E por que
logo vocês, velhos, estão organizando esse exército?
– retrucou Seridath. – E as forças do rei? Dhar, pelo que
sei, é um reino forte. É certo que o rei não se
agradará de um exército particular em seu território.
– Não
concerne a ti, rapaz, o que pensa ou não nosso rei –
respondeu Urso Pardo, incapaz de esconder a crescente irritação.
– A Companhia existe há séculos e seu poder visa
somente a segurança do povo. Foi a mais importante força
militar a auxiliar a Imperatriz Helena na destruição do
exército das Trevas, marcando o fim de uma era de escuridão.
– Não
é o que os bardos cantam por aí – retrucou Seridath,
com um sorriso torto.
Qual o sentido
desta conversa, rapaz? Caso estejas interessado em participar de
nossas fileiras, deves passar em um de nossos postos de alistamento.
Não tenho tempo para suas leviandades. Passar bem.
Urso Pardo levantou-se de chofre.
Seridath percebeu que havia exagerado em seus blefes. O rapaz
adiantou-se, cortando o caminho do ancião, quase esbarrando em
Aldreth, que retornava com as duas canecas de cerveja.
– Sinto ter
dito coisas desnecessárias, velho – disse Seridath, em tom
grave. – Peço desculpas. Acredito contudo que o senhor se
interessou por nós e insisto que fique mais um pouco. Que
nossa despedida seja ao menos cordial.
Após alguns segundos de
ponderação, o andarilho achou por bem voltar a seu
lugar.
– Tudo bem,
rapaz – suspirou o ancião, ignorando sua caneca de cerveja
–, o que mais quer saber?
– Você
ainda não nos disse o real objetivo dessa "força
militar". Vão criar um exército da salvação
para cuidar desses doentes do norte?
– Eles não
têm mais salvação – suspirou com tristeza o
andarilho. – Iremos investigar as causas da praga e proteger
aqueles que não foram tocados pela maldição.
– E
qual o pagamento? As vantagens?
– Tais
informações seriam conseguidas facilmente no posto de
alistamento, mas satisfarei tua curiosidade. O pagamento é
pequeno e a vantagem estará na experiência em batalha e
na certeza de estar praticando o bem. Oferecemos cento e setenta
moedas de cobre, da coroa de Dhar, por trinta dias, ou duas moedas de
prata por um ano de serviço.
– Se não
tivesse dado mostras de seu caráter, eu acreditaria que o
senhor zomba de mim – murmurou Seridath, fingindo indignação.
– E os custos? Quem compensará?
– Vestimentas
e alimentação serão pagos pela Companhia. E
barganhas estão fora de cogitação. O pagamento
estipulado é fixo. Não haverá pilhagens.
O jovem remexeu-se na cadeira,
inquieto. Agora tinha certeza que seus blefes não estavam
surtindo o efeito desejado. Na verdade, ele não se preocupava
muito com dinheiro. Queria a fama que somente uma espada poderia
conseguir.
– Muito
bem, estamos interessados. Sou um cavalei...
– Não
queremos cavaleiros – atalhou Urso Pardo. – Só recrutamos
infantaria e arqueiros.
A história tá ficando ótima! =]
ResponderExcluirValeu, Dora! Esta série se estende por vários capítulos (previsão minha). Espero que todo mundo acompanhe as peripécias desse Viajante Cinzento...
ResponderExcluirTô adorando...
ResponderExcluirMuito legal, essa iniciativa de postar o livro no blog , atrai mais leitores 😁
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