Ele sempre gostou de palavras onomatopaicas. Ou melhor, palavras que em sua pronúncia quase sugeriam uma onomatopeia. Atabalhoamento, por exemplo, que sugere alguém tropeçando sobre os próprios pés. Ou estardalhaço, com seu som de algo se estraçalhando, uma palavra repleta de estilhaços.
E foi um estardalhaço que ele ouviu, o som terrível que o arrancou de uma realidade, lançando-o em outra. Estivera sobre uma motocicleta, pilotando calmamente, respeitando os limites de velocidade até que a quina de uma porta interrompeu seu caminho.
Abriu os olhos, ou melhor, o único olho são. Paralisado pelo choque, conseguia distinguir o asfalto além da viseira destruída. Viu também um filete de sangue grosso escorrendo em sua frente, enquanto percebia que não conseguia ver nada pelo olho direito. Naquele momento, pensou: "Pronto, perdi um olho e virei pirata."
Coisa ridícula para se pensar no momento de um acidente. Sentiu a resignação inundá-lo, enchê-lo de como um caldo gelado. Logo as pessoas já se aglomeravam sobre ele, perguntando se ele estava bem, pedindo para que ele ficasse quieto, deitado. Respondeu fracamente quando perguntaram se estava consciente, se sentia dor. Lentamente ele tomava consciência de sua situação. Temia mexer-se e piorar seus ferimentos, talvez até a coluna estivesse comprometida. Por isso, manteve-se parado.
A emergência chegou, os paraméticos o examinaram rapidamente. Foi imobilizado. Ao ser erguido na maca, sussurrou: "eu tô passando mal..." e logo que ouviram a queixa, os paramédicos inclinaram a maca. O vômito veio em borbotões, enquanto ele via uma floresta de pernas das pessoas que o cercavam, observando-o placidamente. "O que vocês querem?" pensou. "Aqui não é a porcaria de um espetáculo. Vão embora, eu não sou um espetáculo"...
a sociedade do espetáculo!
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