segunda-feira, janeiro 21, 2013

Aqueles que não morrem - Parte II de IV

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Nas serras que demarcavam o fim das planícies centrais de Dhar, a vida parecia adiada. Nas aldeias os camponeses não mais faziam festa aos viajantes, preferindo manter as portas de suas casas fechadas. O exército cruzava povoados que observavam, em um silêncio soturno, os guerreiros em marcha. Por vezes, Urso Pardo tinha êxito em conversar com algum dos aldeões, e nessas conversas o velho andarilho constatava que os rumores ficavam cada vez mais sombrios.
Contavam de homens-macaco andando na escuridão e roubando crianças enquanto elas ainda dormiam. A peste tornara-se atroz; ouvia-se de povoados inteiros completamente desertos. Seus habitantes haviam desaparecido misteriosamente. As pessoas, escravas do medo, tentavam esconder-se em suas casas, mantendo suas casas fechadas e silenciosas, enquanto a Companhia passava, ostentando sua força. Alguns, mais esperançosos, acenavam desejando boa sorte, mas a maioria dos habitantes apenas espiava com um olhar desconfiado, antes de trancar bem suas portas e janelas. Para tornar a situação pior, uma densa neblina agora permanecia continuamente envolvendo aqueles caminhos.
A chegada da Companhia em Arnoll ocorreu no décimo dia de viagem, como o andarilho havia calculado. Urso Pardo acreditava estabelecer na cidade uma base para as operações no norte. Mas foi uma constrangedora surpresa ao encontrarem os portões fechados. Um vigia permitiu apenas a entrada do andarilho, para que o mesmo pudesse tentar um acordo com o Conde que figurava como senhor feudal da cidadela e das terras em redor. A Companhia não teve permissão para atravessar os portões de Arnoll mas, após obstinada insistência do andarilho, aos artistas e mercadores foi permitido que permanecessem na cidadela.
Ainda no mesmo dia em que os homens da Companhia afastaram-se dos muros de Arnoll, outro vilarejo foi alcançado. A princípio, tudo parecia normal, até mesmo o silêncio quase estéril que imperava. Mas quando já estavam mais próximos, o cheiro de sangue invadiu as narinas de todos, enquanto observavam que aquela aldeia estava completamente vazia. A portas escancaradas, animais abandonados em currais, balindo, suplicando por alimento. Alguns desses currais haviam sido destruídos e o gado que neles estivera agora jazia em pedaços, como se estraçalhado por feras famintas. Mas não havia marcas de garras ou presas e sim manchas sangrentas de mãos humanas.
Seguindo a ordem de Urso Pardo, alguns homens penetraram nas casas, mas não encontraram nenhum sinal de vida. O pequeno armazém do povoado estava repleto de grãos de centeio, que estavam sendo armazenados para o inverno próximo. O andarilho proibiu que os homens tocassem nos alimentos, temendo a contaminação. Ordenou que o exército se pusesse logo em movimento.
A marcha prosseguiu, em ritmo acelerado. Segundo as informações recolhidas, havia um outro vilarejo logo à frente. Tendo sido negado o repouso em Arnoll, a marcha era cansativa para a maioria dos homens, sobretudo para o jovem arqueiro Aldreth, que sentia-se perdido, desolado. Não havia mais o clima alegre e descontraído entre os soldados, muitos talvez já se arrependiam por terem ingressado nessa empreitada. O garoto não estava entre esses, pois não tivera o direito de escolher seu destino. Apenas seguia calado, junto com os outros arqueiros, com olhos atentos em direção das colinas cobertas de névoa que os circundavam. Voltava então os olhos para o comprido arco que tinha na mão esquerda e perguntava-se quando teria que matar alguém. Era capaz de atingir o olho de um cervo a cem passos de distância, mas nunca havia disparado contra um ser humano. Talvez não se sentisse capaz para tanto.

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