Seridath se manteve na mesma
posição, como se a chegada do líder do exército
não fosse tão importante. Mas a troca de olhares que
ambos tiveram naquele momento denunciava outra coisa. O rapaz temia a
represália do andarilho, da reação que o velho
teria para com ele. O cavaleiro olhou em volta. Não havia
ninguém para testemunhar aquela conversa, pois os demais
homens do destacamento estavam mais distantes, raspando suas tijelas
de sopa, e o casebre mais próximo devia estar a uns cinqüenta
passos. O crepúsculo findava, anunciando uma noite escura que
se aproximava com rapidez. Seridath soltou um suspiro, enquanto
descruzava os braços. Encarou então o andarilho, que
parou diante do guerreiro com uma expressão enigmática.
O rapaz estava atento, as próximas palavras seriam decisivas.
– Esta
noite prenuncia horrores, bravo guerreiro – a voz de Urso Pardo
soou serena aos ouvidos do jovem.
– Parece
ser noite de maldições, velho. - respondeu o rapaz,
suspirando - E uma maldição antiga, talvez milenar.
– Como
a que tu carregas contigo...
Seridath pareceu surpreso.
Instintivamente, tocou a ponta do cabo de Lorguth, que ainda
permanecia presa às suas costas, inútil. Urso Pardo
estendeu as mãos, como se exigisse, silenciosamente, que
Seridath entregasse a espada. O rapaz ficou na defensiva, mas viu que
nos olhos do velho não havia hostilidade, mas apenas uma
curiosidade quase infantil, como uma criança que deseja
examinar um brinquedo exótico. Murmurou, como que esperando
confirmar as intenções do andarilho:
– Bem
vi que você... er... o senhor notou a espada, por fim.
– Eu
notei desde o início. – respondeu Urso Pardo, com um
sorriso. – Deixa que a examine, meu jovem.
Seridath desatou a espada e
depositou-a, ainda embainhada, nas palmas das mãos do
andarilho, que aproximou o punho da mesma e passou a examiná-la
com minúcia. Usou o manto para proteger a pele da mão
ao segurar o punho e puxar, com cuidado, a espada para fora da
bainha. Ao ver a lâmina, o velho soltou um murmúrio de
aprovação, como se confirmasse suas suspeitas.
– Trata-se
de um artefato mágico e muito antigo – disse com firmeza. –
Se não me engano, esta espada é Lorguth, forjada no fim
da Era dos Errantes.
– Como
sabe disso, velho? – perguntou Seridath surpreso. Ele próprio
sabia apenas o nome da espada.
– Nós
não somos andarilhos à toa, como alguns pensam, rapaz.
Também peregrinamos pelo mundo em busca de conhecimento. E
essa espada é de fato algo notável. Dizem que um ser
denominado "O Sombrio" a forjou.
Seridath lançou um olhar
profundo ao ancião. Seu coração, pela primeira
vez, gelou. Estava lidando com algo mais terrível do que podia
imaginar. Urso Pardo notou a reação infantil do jovem e
sorriu, embainhando Lorguth e devolvendo-a ao dono. O andarilho
acenou para Seridath, para que caminhassem lado a lado, afastando-se
alguns passos da paliçada.
– Eu
queria que tivesses a experiência de enfrentar malignas
criaturas com essa espada. Creio que agora possuis pelo menos uma
melhor noção do artefato em teu poder. Mas acalma-te. É
uma espada poderosa, e ainda não sabes usá-la. Por tal
motivo ela não te obedece.
– O
que devo fazer? – perguntou Seridath, sem conseguir esconder a
aflição.
– Tua
vontade, meu jovem – respondeu o andarilho, enigmaticamente –,
somente tua vontade é a chave para conseguires usar a espada.
Se fores bem-sucedido em impor tua vontade sobre a lâmina
negra, ela te obedecerá, e será eficaz com os inimigos
mortos. Mas saibas que essa espada é perigosa, ela drena vida
e deve se alimentar com sangue, para evoluir. Mortos não a
alimentam, e por isso ela pode ser perigosa contra teus aliados, se
ficar muito tempo sem matar.
Seridath assentiu. Já
conhecera a voracidade assassina daquela lâmina negra.
– Controla
também a sede da espada, senão ela te consumirá,
tomará teu ser e serás somente mais uma habitação
para "O Sombrio". Se caíres, o mal que acometerá
esta terra será infinitamente pior do que o que enfrentamos
agora. Lembra disso.
– Mas
por que, velho, você me dá essa opção? –
Seridath estava perplexo. – Por que não tomar a espada, por
que não me expulsar da Companhia, me matar, por quê? Crê
que eu sou tão forte que possa dominar essa espada tão
antiga?
– Não,
rapaz, certamente não creio – a resposta de Urso Pardo
deixou-o atordoado. – Mas somente os deuses podem determinar isso.
Não és mau, somente confuso, e eu não posso
trair as Leis e matar-te sem sofrer a ira divina. Serpente
Flamejante, o Grande Andarilho, diz que "o peso de uma vida dá
para esmagar o mundo." Muitos em nossa terra começaram
bons, mas por não entenderem o valor de uma vida, terminaram tornando-se os mais terríveis entes que já
existiram. Quem sabe um homem obscuro, portador de uma espada
amaldiçoada, possa fazer o caminho inverso e tornar-se um
guerreiro justo? A escolha em ter e usar a espada é tua, não
minha. O caminho que trilhares será também o caminho
que os deuses permitirão. Lembra-te dis...
Mas o discurso de Urso Pardo foi
interrompido por um som seco de algo pontiagudo penetrando em carne.
Um dardo acabava de atravessar a garganta do ancião.
Continua...
Cada vez melhor, Nerito!
ResponderExcluirOlá, meu querido! Tem uma meme para você lá no meu blog http://tamiresmirele.blogspot.com.br/2013/03/em-rosa-um-coloca-cor-que-achar-melhor.html
ResponderExcluirBeijo!