Esgueirava pelos cantos. Arrastava-se por descaminhos. Era um reflexo de existência, a ruína de um "eu". Uma alma morta. Seguindo por trilhas dúbias, apenas dava prosseguimento a sua existência. Não sabia, porém. Apenas prosseguia.
Havia uma certa urgência em seu caminhar. Um certo motor secreto, como uma energia feita do puro breu, dos sentimentos mais nefastos. A decomposição gerando algo. Um cenário, no mínimo.
Aquela era apenas uma sombra. Disforme e órfã, essa massa escura deslizava por vãos esquecidos. Alimentava-se de pedaços de sonhos quebrados. Cada fragmento fortalecia seu interior, tornava-a mais escura e poderosa, inchava suas entranhas, inflava seus contornos.
Ignorava o tempo de sua própria existência. Sim, eram quase séculos que essa coisa, aborto de vida, vagava pelos cantos escuros do mundo. A frustração personificada, que falhava até mesmo no desejo de ser.
Lentamente, tomou força e fôlego. Singelamente, sentiu-se. Percebeu-se. Era, afinal. Estilhaços de desejos devorados se recombinavam e borbulhavam em seu âmago. Aqueciam suas entranhas. E tal calor convulsionava o núcleo da Sombra. Criava rastros fumegantes em seu caminho, queimando o solo já escuro e crestado, soltando tímidas faíscas, revelando ocultos poderes.
E quando se deu conta, já surgia em si uma fagulha. Duas, várias. Uma profusão de desejos frustrados eram agora um furioso turbilhão de fagulhas que se ajuntavam em labaredas, queimando as entranhas da Sombra, que já não podia mais conter o calor que a consumia.
E a Sombra, imersa em um profuso emaranhado de labaredas, morreu, consumida pelos sonhos que lhe concederam a existência. Dessa poderosa explosão brotaram asas douradas, que se abriram para além dos cantos do mundo. Brilhantes como a Aurora, as asas alçaram voo e revelaram uma ave feita de luz. Uma Fênix. E aquela ave, nascida da convulsão de diversos sonhos, galgou os ares, rumo a outros mundos.
Esse é bom prum zine!
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