Ao retirar a capa de chuva, bati o olho na alça da mochila e notei o minúsculo ponto marrom quase sumindo no pano preto e grosso. Parecia uma semente, achei que tivesse caído de uma dessas imponentes árvores da Savassi. O ônibus sacolejava. Seria uma longa viagem até meu bairro. Os vidros embaçados não me deixavam divisar o trajeto, e a escuridão deixava tudo ainda mais lúgubre. A estranha semente me parecia a coisa mais interessante em meu campo de visão.
Peguei-a com cuidado entre o dedão e o indicador. Senti um estranho e quase imperceptível alarme, além de uma curiosa viscosidade nas pontas dos dedos. A semente era um bicho. As patinhas recolhidas sob uma carapaça com intrincados motivos que variavam entre o marrom e o cinza. Uma tartaruga mínima.
Já lamentando a falta de sorte pela provável joaninha morta, depositei-a na palma de minha mão esquerda. Fiquei surpreso ao ver que ela tinha se agarrado firmemente a mim. Mesmo que eu inclinasse um pouco a mão, ela continuava fixa.
Deixei-a lá ficar por um bom tempo, enquanto percebia minha protegida lemtamente ganhar vida. Muito timidamente deixava suas patinhas abandonarem a proteção da carapaça, ensaiando passos vacilantes na palma da minha mão.
Com um pouco de dificuldade, consegui transferi-la para meu dedão direito. E lá ela ficou, quietinha, como se dormisse, ou fingisse preguiça. Uma joaninha indolente, dona de seu espaço.
Fiquei a observá-la, já imaginando como seria, o que deveria fazer com ela. Minha intenção era que ela ficasse em uma das folhas das pequenas árvores que ladeiam a rua onde moro. Mas e a chuva? O vento? E o percurso pela Estação até o ônibus que me levaria ao meu bairro? Uma coisa era certa: eu já me sentia responsável por ela.
E mais cedo que eu esperava, o ônibus chegou à Estação. Fiquei envolto numa confusão de capas de chuva, mochilas e joaninhas. Cócegas denunciaram o movimento de minha amiga que, de tão imóvel, agora era um frenesi já passeando por meu braço. Emaranhou-se nos pelos curtos de meu antebraço e logo imaginei-a atravessando um matagal.
Já estava aflito. A joaninha não conhecia sossego. Fiquei com medo de machucá-la. Atento, procurei um lugar que a agradasse. Ela deveria partir por opção. Assim eu esperava.
Finalmente encontrei uma estrutura de concreto com um tom de cinza que atenderia muito bem como camuflagem à minha amiga. Aproximei meu braço e esperei. Ela rapidamente se transferiu para o concreto e se afastou escalando com agilidade a parede. Ainda maravilhado, observei-a por algum tempo, sem me preocupar com a fila do ônibus.
E fiquei a pensar em tão simples artifícios empregados por minha pequena amiga. Simples e ainda assim engenhosos. Primeiro, fingir-se de morta e agora, matreira, esconder-se na textura da parede. Por um momento, vislumbrei-a novamente, enorme, do tamanho do mundo. E pensei que ela já não era uma simples joaninha. Era mais. Uma joaninja.
Gostei demais do texto, Samuca. Que bom que você postou, lindo.
ResponderExcluirPam, seus comentários são sempre um estímulo para continuar escrevendo. Te amo!
ExcluirHAHAHAHAHAHA muito bom, mano!
ResponderExcluirAmei o texto, muito divertido :D.
Que legal! Valeu pelo comentário, Unknown.
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