Quando se fala de Literatura Infantil, muitos costumam reduzi-la a um segmento menor, como se fosse uma literatura mais "fácil". Por muito tempo, os livros para crianças e jovens eram imbuídos de uma forte carga utilitária. Era necessário que os textos fossem instrutivos e edificantes.
Há 136 anos nasceu o homem que transformaria para sempre a literatura infantil. José Bento Renato Monteiro Lobato, patrono do livro infantil em nosso país, não foi apenas o percursor da literatura infantil brasileira da atualidade, mas também fundou uma nova forma de pensar e fazer livros para jovens leitores. Em sua homenagem, o dia 18 de abril passou a ser conhecido como o Dia Nacional do Livro Infantil.
Com Reinações de Narizinho, Lobato nos apresenta uma menina que surge pra aprontar mesmo. Afinal, o sentido da palavra "reinação" era travessura, brincadeira, bagunça. E Lúcia, ou Narizinho, a protagonista desse primeiro livro de Lobato, é uma menina esperta, contestadora, inventiva. Emília, sua boneca, era apenas uma muda coadjuvante. Quando ganha voz, a boneca vai lentamente adquirindo força e peso, até se tornar o principal ícone de Lobato.
As aventuras de Narizinho, Emília e muitas outras personagens acontecem no Sítio do Picapau Amarelo. Inicialmente, o sítio surge como um lugar comum, pacato, típico cenário do interior paulista. Porém, assim como a boneca Emília, o próprio Sítio vai ganhando contornos cada vez mais fantásticos, quase míticos, a ponto de comportar dentro de si as maravilhosas terras do mundo das Fábulas e até mesmo a Terra do Nunca.
O aspecto revolucionário de Lobato não está apenas em sua literatura infantil, mas também em sua visão empreendedora como formador de leitores. Ele decidiu levar seus livros para perto de seus leitores, aonde os livros antes nunca tinham chegado. Suas edições eram ambiciosas em números de exemplares. Assim, o que poderia ser visto como uma aposta mal feita mostrou-se uma jogada que mudou os rumos de nosso mercado editorial.
Não dá para negar as polêmicas em torno de Monteiro Lobato. Sim, há passagens ofensivas e racistas em alguns de seus livros. Não há desculpa ou justificativa. É preciso marcar, contudo, que Lobato era um homem ciente de muitas de suas contradições e não deixava de evidenciá-las. Como exemplo, temos o desabafo de Emília no final de suas memórias, quando ela admite seu preconceito em relação à Tia Nastácia, fazendo um "mea culpa".
Sei que isso não é suficiente, nem redime Lobato. Apesar disso, é importante observar que ele, apesar de ser contundente em suas ideias, não sabia ser intransigente e sempre esteve disposto a mudá-las.
Que o Dia Nacional do Livro Infantil seja sempre um marco. Não como celebração, mas como memória. Para que as pessoas não se esqueçam dos erros e acertos de Lobato e que sigam seu exemplo na ousadia, na coragem e na inventividade.
Samuel, eu gostei demais desse texto porque ele é um texto que traz em si a beleza e a feiura Lobato, como homem. Lobato nos marcou com o que há de melhor na literatura infantil e o que há de pior no racismo que, infelizmente, deixou traços em sua literatura. Nada redime. Nada justifica. Apenas nos faz pensar em nosso processo de evolução como seres humanos. Processo este que Lobato também precisou passar. Não defendo o racismo de Lobato jamais, mas defendo a leitura de suas obras e o diálogo sobre elas com olhar crítico e explorador. Porque há tanta beleza e feiura no Sítio do Picapau Amarelo quanto há no mundo real. Pensar que Lobato foi nosso cupido hein? 😍
ResponderExcluirPois é, Pam! Lobato nos uniu, nos aproximou. Amo as conversas que temos, um leitor e uma pesquisadora da literatura lobateana. Concordo com você que o diálogo é o melhor caminho. Beijo!
ExcluirOi Pamela. Gostei do olhar do Samuel Medina e do seu também. E vejo que pode ser o início de um diálogo necessário, inclusive com outros pesquisadores com pontos de vista diferentes. Precisaria ser mais aprofundado a questão do racismo, tanto relacionado ao homem de época como a das posturas, leis e pós modernidades do "politicamente correto". Por que falo isso: Essa é uma ferida que sempre será cutucada, mas nunca ninguém provoca de forma a sará-la. A questão é que vida, obra, época devem ser considerados, porém há uma dor de quem só vai entender quem sofre na pele com as passagens racistas nas obras. Mas outras questões estão relacionadas ao reconhecimento do racismo do Lobato. Reconhecer erros é necessário, porém, agora isto é uma questão editorial mediante as demandas dos movimentos negros? Leremos os textos oficiais cheios de notas de rodapé? Ou de forma radical não leremos? A questão perpassa pelo reconhecimento da arte, as possibilidades na reflexão e mediação na Educação e pra mim passa por algo muito perigoso que é a censura de obras literárias e a tentativa de homogeneização das visões e críticas do mundo e do que é estética, conceito, realidades e ficção na arte. Gratidão pelas reflexões 🙏🌹Lupri do Carmo
ResponderExcluirLu Pri acho que de fato caminho não é a censura. Enquanto o racismo estiver presente em nossa sociedade, essa ferida irá doer. Acho um tema difícil, mas que podemos encarar todes juntes. Lendo, discutindo, apresentando hipóteses. Lobato foi polêmico e controverso, mas também foi um grande promotor do livro, além de um grande escritor. Portanto, precisamos continuar dialogando, todo mundo, acolhendo as dores e buscando mitigá-las de alguma forma. Obrigado por suas palavras!
ExcluirSamuel, como professora da Rede Municipal de Belo Horizonte, assisti e participei de vários debates sobre o racismo presente na obra de Monteiro Lobato, com a presença de escritores(as) pesquisadores(as) e professores(as) negros sobre o racismo presente na obra de Monteiro ,Aprendi muito e principalmente temos que estar atentos ao "Lugar de fala. Seria interessante debater e ouvir essas pessoas que estudam e pesquisam esse tema tão relevante.
ResponderExcluirA professora da FAE UFMG, Nilma Lino, nossa ex secretária de Educação de MG, o movimento negro e tantas outras pessoas que estudam e pesquisam esse tema tão relevante.