Era um completo devoto. Frequentava o culto em todos os horários previstos. Participava de todas as reuniões, das convocações para panfletar na rua, dos atos beneficentes e dos retiros espirituais. Seu tempo livre era ainda mais extenuante que aquele gasto no expediente da fábrica. Menor ainda era o período em que podia passar em casa.
Não se importava. Afinal, morava sozinho em um barraco de um cômodo, nos fundos do lote de um conhecido de seu finado pai. O aluguel não era alto e na verdade era o único que ele tinha condições de pagar com o salário magro que tinha.
Seus compromissos financeiros eram sagrados. Antes do aluguel, o dízimo. Havia também o montante para as ofertas alçadas, além do sacrifício. Como o pastor sempre afirmava: Se não fizer falta, não é sacrifício.
Em duas ocasiões, o dinheiro não foi suficiente para comprar comida para o mês inteiro. Aproveitava para jejuar. Dizia para si mesmo que era o senhor providenciando momentos para que seu humilde servo pudesse desenvolver a espiritualidade. Sua marca era de sete dias consecutivos sem comer nada, apenas bebendo água. Lembrava-se de Elias, que jejuou por quarenta dias e quarenta noites, sem ao menos beber água. Sentia-se mais próximo dos heróis da fé.
O mais importante era manter a fidelidade. E segundo o seu pastor ensinara, o dízimo selava a fidelidade. Para ser próspero, era preciso alçar sacrifícios ainda maiores. Como a vez em que ele tentou passar o mês apenas com dez por cento de seu salário, doando o restante para a igreja. Foi difícil, quase impossível, sua fé quase fraquejou. Por isso, ele acreditava que precisava tentar outra vez, para sentir que era purificado de qualquer dúvida.
Enquanto se preparava, ele seguia sua vida entre os dízimos e as ofertas. Sempre fazia questão de ter algum dinheiro na carteira para ofertar durante o culto. Na maioria das vezes, doava até o vale-transporte e voltava a pé para casa.
Os tempos mudaram, o vale foi substituído por um cartão eletrônico. Para manter a busca pela prosperidade, ele deixou o cartão na cesta de ofertas. Com o tempo, esse ato para ele foi perdendo sua profundidade. Afinal, não era a mesma coisa que, noite após noite, deixar aquele papelzinho no cesto e ofertar uma caminhada ao Senhor.
Certa noite, o pastor parecia mais radiante e anunciou que tinha uma grande notícia. Exibiu uma máquina de cartão e declarou que agora deus tinha conta-corrente. Todos poderiam entregar seus dízimos e ofertas, mesmo se não tivessem dinheiro em papel nas bolsas e carteiras.
Os obreiros assumiram seus postos em cada fileira de bancos. Sob a estrondosa voz do pastor, vigiavam rigorosamente o cesto com a maquininha passando de mão em mão. Fosse por barreira tecnológica ou ausência do valioso plástico, poucos fiéis acabaram usando a tal máquina.
Chegou a vez dele. Tinha dinheiro na carteira, mas não o suficiente para o dízimo. Havia pensado em entregá-lo no domingo, dia mais abençoado da semana. Mas então se lembrou de que tudo acontece como desígnio do senhor e por isso aquela maquininha era uma ordem clara para que o dízimo fosse logo entregue. Suspirando, ele retirou o cartão magnético da carteira, inseriu-o no dispositivo, selecionou débito, digitou o valor e depois a senha. Concluiu a operação, deixando uma via do comprovante na cesta de ofertas e a segunda mantendo consigo.
Sentiu paz, mas por pouco tempo. As coisas logo começaram a ficar confusas. No mês seguinte, o pastor ofereceu aos dizimistas o "modelo assinatura". Assim, o valor do dízimo seria debitado automaticamente na fatura do cartão de crédito. O rapaz, que nunca tivera usado a modalidade crédito de seu cartão, acabou aderindo. E então ele passou a receber, mensalmente, uma fatura com o valor de seu dízimo. No rodapé, havia os dizeres: "Débito em conta. Para cancelar, favor entrar em contato pelo número abaixo". Ele não queria cancelar, é claro. Apenas sentia-se um pouco desanimado, pois amava o momento de levar os dízimos e ofertas até o altar. Amava separar o dinheiro a ser ofertado ao senhor. Amava o momento de cerimoniosa gratidão diante da congregação.
Até que um dia, ele recebeu a mesma fatura, mas com uma quantia absurda em débito. Preocupado, ele procurou o pastor e depois o banco. Todos negaram qualquer conhecimento sobre o caso. Ninguém foi capaz de ajudá-lo. Fez um financiamento de 30 anos para quitar a dívida e largou a igreja. E para todos que perguntassem o motivo de ter abandonado a fé, ele apenas declarava que depois de anos achando que deus era fiel, descobrira que ele era nada mais que um golpista.
Nossa,amor. Adorei o conto, só me entristece que realmente os erros desses muitos homens de má fé que lideram igrejas, atrapalham a relação entre as pessoas e Deus. Seus texto é forte e sincero. Adorei!
ResponderExcluirObrigado por suas palavras, minha linda. Te amo!
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