sexta-feira, outubro 09, 2020

O esquecimento das coisas - A beleza da inutilidade


O que é uma coisa? Como se define uma coisa? Por sua serventia? Por suas características físicas? Pela memória que evocam? Por tudo ou nada disso?

E se essa coisa é a própria linguagem? Ou a arte literária? Como explorar essa coisa ao máximo? Como afastar a linguagem de seus aspectos práticos, lançando-a completamente rumo ao seu viés poético? É possível fazer isso?

Ao ler O esquecimento das coisas, de Felipe Diógenes, fui constantemente provocado por estas perguntas. Trata-se de uma coletânea de textos experimentais, que passeiam entre o conto, a crônica e a poesia. Os 35 contos são elaborados na mais fina prosa poética. Seu mote é o cotidiano, a memória e a trivialidade dos objetos do dia-a-dia. 

É aí que está o pulo do gato. Felipe Diógenes, com maestria, explora o incomum em cada um desses aspectos. Assim, ele provoca um deslocamento de uso e de sentido, aproximando-se do nonsense, sem contudo entregar-se ao caos. Há um mecanismo interno que mantém na prosa poética de Diógenes um sentido interno, oculto, não utilitário. 

Assim, a memória perde os seus contornos, bem como o tempo, o cotidiano e cada um dos objetos pretensamente triviais. Um cone, um bule, uma mala. O que de poesia se pode tirar de cada um deles? Essa é uma pergunta que Diógenes busca responder.  É um livro rico e complexo, repleto de elementos que resgatam algo de trágico e cômico na linguagem, na memória e na metafísica. Em vários momentos eu me diverti com os deslocamentos, com as apropriações de sentido e os jogos de palavras. 

Para ilustrar a sutileza do humor e da poesia de Felipe Diógenes, destaco um trecho de "Remington":

"Ao analisar os ossos, não pense nas entrelinhas. Paulo Honório é um fazedor de ossos. O osso, separado, é também uma metáfora para osso, também separado. De todas as metáforas do mundo, escolher as catacreses. 'Catacreses Separadas', se entre aspas, é nome de tese. Gosto do pé de cadeira e do rosto da maçã. A maçã verde custa cinco. A maçã vermelha custa três. Sobre a maçã Argentina, irei perguntar ao Borges."

Posso por fim dizer que a leitura de O esquecimento das coisas foi um momento de deleite. Absorver-se na prosa poética, ser incomodado e provocado por ela, foram alguns dos muitos efeitos que este livro me causou. Certamente, para qualquer pessoa que quiser se aventurar nestas páginas, tal jornada será uma experiência indelével.


Ficha Técnica

O esquecimento das coisas

Felipe Diógenes

Ano: 2020 

Páginas: 120

Idioma: português

Editora: Patuá

Para adquirir o livro: https://www.editorapatua.com.br/produto/206750/o-esquecimento-das-coisas-de-felipe-diogenes


2 comentários:

  1. Pela resenha e pelo trecho, parece muito interessante, mesmo. Mas a capa está depondo contra a obra, infelizmente. Capa de livro é uma coisa difícil de acertar.

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  2. Olá. Obrigado pelo comentário. Eu particularmente achei a capa interessante, por dialogar com a proposta do livro. Abraço!

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