Como já disse, não somos os únicos detentores dessa ambígua "herança". No percurso de invasão ao que futuramente se chamaria "Américas" e "Brasil", os emissários do reino de Portugal traçaram uma rota de muita violência. E deixaram feridas que supuram até nossos dias.
Ualalapi, do moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa, é um romance nada convencional. Desprovido de um protagonista, o enredo parte da perspectiva do guerreiro que empresta o nome ao livro. Ele recebe a ordem de Ngungunhane, último imperador de Gaza, para matar o príncipe Mafemane.
A partir desse relato, uma sequência de fragmentos contam uma história impossível de ser narrada, justamente por seu caráter frágil, múltiplo e irregular. Essa história conta sobre o Império de Gaza, que ocupava a região que hoje conhecemos como Moçambique. E da ruína desse império surge uma colônia que até 1975 estava sob o domínio de Portugal.
Ualalapi é um livro difícil, principalmente pelas sombras e abismos que revela. No livro, um mundo de espíritos ancestrais sofre uma inevitável dissolução. Seja por conflitos internos ou externos, é possível observar que o tom é de constante perda. Não apenas pelo enredo irregular, mas principalmente pelas violências perpetradas.
A oralidade é outro elemento marcante do texto de Ungulani. Os frequentes discursos, bem como os diálogos, carregam constantes marcações coloquiais. Em dado momento, é levantada a questão do uso do Português, língua imposta a uma população falante de diversas outras línguas. Em um tom de amargura, o texto questiona os valores ocidentais.
Com sua narrativa múltipla, seu tom de amargurado testemunho e sua composição fragmentária, Ualalapi é um verdadeiro épico, uma epopeia daqueles que, embora derrotados e mortos, continuam até nossos dias a bradar seus protestos por alguma justiça.
Ficha Técnica
Ualalapi
Ungulani Ba Ka Khosa
ISBN-13: 9788561191924
ISBN-10: 8561191929
Ano: 2013
Páginas: 125
Idioma: português
Editora: Nandyala
Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/ualalapi-59182ed65221.html
Essa resenha revela o quanto a leitura pode ser dolorosa e por isso, dialoga tanto com a vida. A literatura não tem a pretensão de ser sempre prazerosa ou sempre leve. Ainda bem!
ResponderExcluirAinda bem mesmo, Pam. Os livros também devem ser desafiadores. Nem todos e nem sempre, é claro, mas acho importante demais quando um livro tira a gente do eixo. Beijo!
ExcluirPercebi que deveria ter fundamentado melhor a relação entre o título da resenha e o texto. Escolhi "O estertor de um império" porque os fragmentos que compõem a narrativa servem como relatos sobre a dissolução do Império de Gaza, com o fortalecimento do domínio português sobre a região que se tornaria no futuro o país Moçambique.
ResponderExcluirFiz algumas alterações hoje, com o objetivo de corrigir essa inconsistência. Também encontrei um errinho no texto, uma palavra faltando.
Excluir