quarta-feira, abril 07, 2021

Distopia sanitária II


Jair Carluxo estava exausto. Ao começar aquela semana, o inspetor de polícia nunca imaginaria que teria um caso daqueles em suas mãos. Talvez ninguém imaginaria. Afinal, vinte anos depois do Grande Expurgo dos Assintomáticos, era a primeira vez que um homicídio culposo por covid acontecia.

O inspetor Jair Carluxo Bolsominion Rodrigues foi chamado à sala do Superintendente no início da semana. Com tantos anos de trabalho, imaginou que não deveria ser algo importante. Talvez mais um convite para se filiar ao Partido da Fé em Cristo, ou para a Associação de Bolsonaristas Históricos. Foi com grande surpresa quando descobriu que tinha em seu colo um Inquérito de Óbito Sanitário. E pior ainda foi saber que a causa da morte era Covid-23.

Agora a semana ia pelo meio e o policial estava exasperado por se ver em um beco sem saída. E não era para menos. Ninguém falava de assintomáticos desde o Grande Expurgo. E com a tecnologia de rastreamento genético, qualquer óbito causado por agente aéreo transmissível poderia identificar o transmissor. 

O grande problema, porém, era que o DNA coletado não estava presente no banco de registro de assintomáticos. Com tantos postos de controle, era impossível que alguém com sintomas andasse livremente pela cidade. Ou então o assintomático teve seu registro apagado deliberadamente. 

Jair Carluxo suspirou. Precisava de respostas e com urgência. Dois ou três influencers já pressionavam a Secretaria de Segurança Semipública para noticiar aquela morte. E o superintendente continuava a insistir que precisava tuitar o nome do suspeito até sexta-feira, mesmo que tivesse que apagar depois.

O inspetor de polícia ignorava, mas já havia cruzado com o assintomático no meio daquela mesma semana. E assim como a vítima daquele caso, Jair Carluxo logo estaria morto.

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