sexta-feira, abril 23, 2021

Os netos de Lobato - A leitura de brancos para brancos


Conheci a Pâmela Bastos Machado quando ela fazia sua pesquisa de mestrado. Bibliotecária, ela estava em busca de crianças para entrevistar. Sua pesquisa buscava verificar se ainda havia crianças que liam Monteiro Lobato. Também pretendia observar como se dava essa leitura, se no ambiente familiar ou escolar, por exemplo, bem como perceber a apropriação do texto "lobateano" pelas crianças.

O resultado de sua pesquisa foi a dissertação Netos de Lobato: modos de ler o Sítio do Picapau Amarelo no século XXI. A obra discorre inicialmente sobre as dificuldades impostas à pesquisadora. Em seguida, há um mapeamento teórico que foi consultado para dar lastro à pesquisa. Por fim, apresenta a metodologia usada. A autora se vale da análise documental de entrevistas feitas com 9 crianças entre 7 e 11 anos.

A partir da pesquisa feita pela Pâmela, é possível observar a preponderância do papel do núcleo familiar para apresentar Monteiro Lobato às crianças. Há também a escola, embora esta geralmente busque indicar obras mais atuais. Sendo assim, a leitura de Lobato acaba por ser uma "herança familiar". 

A pesquisadora observou também que nenhuma criança tocou no assunto do racismo em Lobato. Esse apontamento nos leva a refletir sobre o papel da mediação da leitura, principalmente no seio familiar, para desenvolvimento de um olhar mais aguçado, crítico e, sobretudo, empático. 

A pesquisa mostrou a importância de um aprofundamento no olhar acadêmico sobre o leitor, em especial aquele ainda na infância. É fundamental que nós, mediadoras e mediadores de leitura, estejamos mais atentos às apropriações que leitoras e leitores fazem dos textos lidos. Precisamos dar mais voz a quem lê, entendendo que a mediação deve ser horizontal, empática e reflexiva.

Outro ponto a ser discutido é justamente essa ausência da percepção, por parte das crianças, dos trechos expressamente racistas na coleção O Sítio do Picapau Amarelo. Trechos tão agressivos que chegam a saltar aos olhos. Penso que talvez a falta da percepção do racismo seria um traço de branquitude, uma vez que,  em conversa com a Pâmela, ela relatou que a maioria das crianças entrevistadas eram brancas.

Ao conversar com a Pâmela sobre sua pesquisa, ela me relatou o crescente incômodo em relação a essa aparente ingenuidade que muitos leitores de Lobato ostentam, não percebendo como o texto do autor em diversos momentos é violento e agressivo contra personagens como a Tia Nastácia. Um incômodo que também é meu. Somos leitores de Lobato, sim, mas a cada dia cresce nossa repulsa e indignação contra o abjeto racismo do escritor e todos os seus efeitos.

Link para a pesquisa: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUBD-AE3K4Z

4 comentários:

  1. Gosto de estar fazendo esse trajeto junto com vcs.

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    1. Você é aquela que vai nos indicando o Norte! Nossa Mulher do Norte! rs

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  2. achei o máximo a postura,em dar mais voz a quem lê.

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    1. Sim, é muito importante que leitoras e leitores tenham mais voz. Abraço!

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