Era uma tarde para se perder dentre tantas outras. Um menino silencioso e franzino entrou na sala e se deparou com o homem sentado no sofá, com um livro aberto. Era a história de um principezinho que se perdia entre tantos planetas e perguntas. O menino, por uns instantes, examinou o rosto do homem, tão mineral, como que talhado em rocha. Era um rosto forte, uma feição que o menino queria para si. E agora seu rosto demonstrava total concentração na leitura. Embevecido, o menino admirava tanta dedicação ao silêncio. Não imaginava que esse silêncio era aparente; no interior do homem, um mundo de palavras acontecia.
Querendo apenas compartilhar daquela calma, o menino se achegou ainda mais ao homem e sentou-se ao seu lado. Deixou-se ficar, a curtir a ausência. Era como se apenas estar lá já o fizesse cúmplice daquele ato tão íntimo, a leitura. Era também uma forma clandestina de acompanhar a silenciosa incursão do homem pelo texto.
E subitamente, ciente da presença do menino, o homem decide ler em voz alta. Era a passagem em que raposa e príncipe estabelecem os termos de sua relação, em que cada um se torna responsável por aquele que cativa. E ambos, cativos um do outro, começam a ver em tudo mais riqueza e sentido, por ver no mundo ao redor os traços de seu companheiro.
Enquanto príncipe e raposa se despediam, o menino sentiu um fogo tremendo queimar em seu peito. Sem que pudesse impedir, lágrimas brotaram de seus olhos. Como os dois cativos da história, o menino também chorava, cativo da voz do homem e da própria história que se desenrolava no momento. Ou melhor, histórias.
Homem e menino nunca trocaram uma palavra sobre o que acontecera naquela tarde. A leitura foi interrompida e cada um mergulhou em seu melancólico silêncio. Seguiram seus caminhos. Ambos, porém, nunca mais foram os mesmos. Entre eles um acordo tácito fora firmado. Afinal, muito aprenderam nessa conversa em que as vozes não eram deles. Homem e menino; príncipe e raposa.