Falar sobre uma biblioteca que acolha a infância é um grande desafio. E esse desafio foi aceito por Fabíola Farias e Cleide Fernandes na oficina "Uma biblioteca para todas as crianças", acontecida na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de BH no dia 06 de outubro de 2023, sexta-feira, pela manhã. Fabíola deu início à sua fala nos convidando a pensar na infância e sua relação com a biblioteca. Disse que aborda a infância a partir da perspectiva do recorte etário. Sendo assim, ela fala de experiência de infância, ou seja, os muitos jeitos de ser criança.
Em seguida, ela nos convidou a pensar a biblioteca e lançou a pergunta: Qual o sentido de uma biblioteca hoje, quando tudo está às mãos no toque de um celular? Para que uma biblioteca hoje? Para pessoas com poder de compra? Ela perguntou se com o recurso gasto na biblioteca (água, luz, telefone, funcionários, acervo etc.), seria mais barato dar um tablet para cada leitor. O que ganhamos com a biblioteca?
Dentre as participantes, algumas pessoas falaram da experiência de usar uma biblioteca. Outras disseram da importância do apoio de um bibliotecário. Uma outra pessoa disse que o livro físico é insubstituível. Fabíola contrapôs que sua filha de 17 anos discorda. Outra pessoa colocou que s questão seria a ação cultural e também da experiência num sentido mais amplo.
Eu aproveitei e coloquei minha opinião. Disse que o tecnológico se perde com muita facilidade. Um livro digital pode desaparecer no volume de informações. O advento de esbarrar com um livro que você nem sabia que queria é algo fabuloso. A IA não sabe o que eu preciso e não sei que preciso. Ela não favorece a descoberta. A preparação para as mediações que não são imediatas. O encontro.
Voltando à questão da experiência num sentido mais amplo, Fabíola falou sobre as ações de ver, indagar, transformar o mundo e assim ter um contato menos ingênuo e menos imediato com o mundo. Uma possibilidade de formação e acesso ao conhecimento.
Dando continuidade, Fabíola pediu para pensarmos na representação das crianças na literatura. Quem são as crianças que imagino quando abro as portas da biblioteca? A criança "danoninho", idealizada? A criança que reflete os nossos desejos. Isso fala de uma romantização da infância. Estudos "identitários" mostram que a experiência da infância é muito mais ampla do que imaginávamos. Por fim, Fabíola nos convidou a pensar nos livros e como eles retratam as crianças.
Ela lançou então a seguinte pergunta: O que é uma criança? Podemos responder pelo viés da Sociologia, da Pedagogia, da Biologia, da Lei, da Psicologia. A lei é mais universal. Porém, existem características que singularizam a experiência.
Voltando à questão dos livros, de 20 anos para cá, a representação e a representatividade das crianças mudaram nos livros. Não havia antes livros com crianças negras e, quando havia, esta era estereotipada. Com a Lei Federal 10639 de 2003, o cenário começa a mudar. Foram surgindo livros que tratavam do tema ancestralidade, relação com o fogo, uso de tranças no cabelo. Havia uma romantização de pertencimento ao continente africano. A autoria nem sempre era de pessoas negras. O mercado teve que se adequar. Afinal, o dinheiro fala mais alto. Não podemos negar, porém, que essa fase foi importante. Contudo, outras representações foram surgindo, o que mostra um amadurecimento na produção editorial.
Existe o benefício da identificação. Com exemplo, há o livro À sombra da Mangueira. Está disponível sua versão digital para leitura. Ele mostra outro lugar para essa representação. Fabíola então contou a história do livro. Ângelo Abu foi para Moçambique pesquisar para fazer as capas dos livros do Mia Couto. Entrou em contato com uma ONG e ofereceu oficinas de arte em troca de casa e comida. No final, as crianças deram uma oficina para ele. Foi uma viagem transformadora.
Outro exemplo é o livro Brincar de livro que, dentre outras coisas, fala do direito ao tempo da leitura. Esse livro faz um deslocamento muito grande. Ele aborda personagens negras com tempo para brincar e ler. É uma história linda com uma representação deslocada dos estereótipos. Outros livros foram apresentados com representações diversas. É importante pensar nas crianças com mãe ou pai privados de liberdade, adotadas, com pais gays, indígenas, com deficiência.
E por falar em pessoas com deficiência, Cleide entrou abordando a questão das exigências que os editais atualmente estão fazendo. Trata-se de um avanço. Na perspectiva das pessoas com deficiência, nós temos que escutá-las. São vários os recursos atuais. Com o aumento de recursos utilizados, mais pessoas serão incluídas.
Um dos recursos mais comuns é o Braille. Mas nem todo cego vai ler em Braille. Se for cegueira de diabetes, não haverá sensibilidade nos dedos. Sendo assim, é importante ter sensibilidade, disposição para aprender e, principalmente, mediar.
Ao final da oficina, saímos repletos de conhecimentos, com muita coisa para pensar. E principalmente, ficamos muito gratos pela Cleide Fernandes e pela Fabíola Farias pela oficina que nos foi ministrada. Que possamos nos sensibilizar para as diversas experiências de infância e que busquemos uma biblioteca mais plural e acolhedora.
Seu Blog pede atenção da gente que por aqui vem. Parabéns pelo espaço, voltarei.
ResponderExcluirNão gosto nem de pensar num mundo sem livros físicos. Apesar de ler ebook, sou muito apegada a eles. Já bibliotecas são um ambiente onde me sinto acolhida e até mesmo protegida. Os implicantes (bullies) na escola não sabiam o caminho da biblioteca.
ResponderExcluirGosto de ver como o pensamento à respeito da infância tem evoluído nos últimos anos, principalmente na literatura.
Até breve;
Helaina (Escritora || Blogueira)
https://hipercriativa.blogspot.com
https://universo-invisivel.blogspot.com
Oi!
ResponderExcluirEu ainda não tinha parado para pensar sobre o impacto das crianças crescerem com tablets/celulares e no que pode afetar na relação com bibliotecas. E realmente as inteligências artificiais nunca serão iguais a recomendação de amigos e bibliotecários.
https://deiumjeito.blogspot.com/
A Fabíola é a Cleide São fantásticas. Que experiência hein, Guardião? Oficinas assim e esse pensar sobre a infância precisam ser mais divulgadas.
ResponderExcluirOlá Samuel, tudo bem?
ResponderExcluirAdorei ler o que escreveu aqui!
São assuntos que merecem ser pensados e repensados.
Um livro é e será sempre um Livro. Outro ponto positivo é que para a visão também é muito melhor do que estar várias horas a olhar para um ecrã.
Uma biblioteca é uma espécie de internet, mas da vida! Podemos saber sobre os mais diversos assuntos, mas no mundo real. Podemos conhecer mais gente com os mesmos gostos.
E muito bom que tenham começado a abordar as histórias de maneiras mais diferentes.
Muito bom, Samuel! Que as crianças continuem a ter acesso a bibliotecas 🤗