quarta-feira, janeiro 24, 2024

Lembra-te

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Os ruídos são muitos. Roem as roupas que o tempo veste. São como ratos compondo uma sinfonia. Linguagem desmotivada, absurda. Os ruídos com suas várias patas rabiscam na areia dissonâncias. Sussurros. Caindo. Ascendendo. Obliquamente se deslocando como lágrimas evaporadas. Sangue-fátuo. Luminosidades mórbidas. Um monumento ao absurdo.

Seriam os ruídos sons surdos? Um baque surdo é um ruído que maltrata a mente. O coração bate surdo. É absurdo o esforço que um coração faz ao bater e bater. Ou melhor ba-ter, ba-ter, ba-ter. Prendo a respiração e o peito parece bater mais forte.

Há anos que meu coração esmurra meu peito. Se pudesse, ele gritaria. Bomba de microexplosões, meu coração é um atentado. Oferta ao deus absurdo. Caos milimetricamente executado.

Angústia é ruído. Ruído é música. Melodiosamente a angústia costura em minha pele suas linhas de abandono. Assim eu me abandono também. E me abano. E conto os danos. São tantos.

Ontem morreu alguém. E também hoje. Um rasgo na tessitura da vida. A morte é traça e ruído. Se cada morte é ruído, esse conjunto compõe uma melodia chorosa e revolta. O corpo nem esfriou, o copo nem esvaziou, mas a folha já se rasgou numa delícia obscena. Foi-se. Foice.

Nunca o mundo esteve em silêncio. Os ruídos continuam. As mortes nem mais se contam. Natureza morta. Memento mori


Um comentário:

  1. Oi Samuel, adorei o texto. Tão visceral que foi impossível não respirar fundo depois de ler sobre o coração ba-ter e notar o meu batendo no peito. Gostei muito do jeito que você usou as palavras para ditar o ritmo da crônica.

    Até breve;
    Te espero nos meus blogs!
    Helaina (Escritora || Blogueira)
    https://hipercriativa.blogspot.com
    https://universo-invisivel.blogspot.com

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