quarta-feira, setembro 04, 2024

Nos desvãos das palavras - Nuvens


Até onde uma palavra pode ser explorada? Felipe Diógenes, com seu livro Nuvens, explora os limites do uso não-utilitário das palavras, procurando combinações das mais inusitadas, elaborando assim elementos fantásticos em imagens oníricas e metáforas inventivas.

Há algumas palavras recorrentes. Uma delas é catacrese; a outra, talisca. Os sentidos das palavras são esgarçados, não importa o sentido, o que mais importa é a sua sonoridade e a composição onírica das construções metafóricas.

Claro discípulo de Manoel de Barros, Felipe Diógenes procura explorar os sentidos simples das palavras, mas também seu esvaziamento. Cria novas possibilidades de sentido e não-sentido. A memória e sua fugacidade também é abordada nos poemas. A brincadeira de confundir olvido com ouvido é primorosa e bem-humorada. 

A palavra se afasta totalmente de seu viés utilitário, levada a alçar voos, inaugurando sentidos oníricos. “mas pedra é igual equivalência de nuvem”. Nesse verso, presente no primeiro poema do livro, Felipe dá o tom da sua obra, em que os sentidos se entrelaçam. Pedra e nuvem se aproximam e um universo maravilhoso é criado como numa tela surrealista. 

Mas antes mesmo do primeiro poema há uma epígrafe de Manoel de Barros: 

“Repetir repetir – até ficar diferente./Repetir é um dom do estilo.”

E para seguir os versos de seu mestre, Felipe Diógenes repete até ficar diferente. Suas ideias são recorrentes, como a exploração imagética e sonora das palavras. Criando novas fronteiras, o poeta lança mão de sua genialidade para produzir poemas que nos cativam por sua sonoridade e pelas construções inusitadas.

Outra sacada genial de Felipe Diógenes é usar a palavra quase, desconstruindo as palavras colocadas ao lado desta: “quase rua”, “quase todo”, “quase peixe”, “quase fogo”. Numa sanha de desconstrução, Felipe devassa a língua, tornando-a algo mais, como que inaugura uma outra língua, um código secreto, reservado apenas aos iniciados.

A poesia de Felipe Diógenes é incômoda, como toda boa poesia. Como toda poesia genial. Ele nos toma pela mão e nos guia por um caminho caleidoscópico, em que sons e sentidos se misturam, num verdadeiro emaranhado onírico de imagens.


Ficha Técnica:

Nuvens

Felipe Diógenes

Editora Patuá

2024

54 páginas

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/nuvens-122497045ed122497523.html